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quarta-feira, 15 de janeiro de 2020

Poço Das Andorinhas


"Duas rochas gigantes, uma mais esférica e outra achatada, que seguram entre si uma terceira, tanto menor, junto à qual jorra forte a água de um rio sobre um poço de leve tom esverdeado. Arenoso, mas ainda atrativo. E atrás da torrente, um espaço sombreado como uma gruta, habitada ao menos por uma ave." Assim se esboça a primeira das cachoeiras de um rio difícil de descrever, localizado em Paranaguá, entre o Bairro Morro Inglês e a Colônia Santa Cruz. Esta, por sua vez, foi a que lhe cedeu o nome.

Três são os cursos d'água que, descendo da Serra Da Prata, unem-se para forma-lo, sem que possamos asseverar qual deles é o principal, e quais são os afluentes. Um morador mencionara outros nomes, mas como não temos certeza de que se refere e estes, seguimos chamando apenas como "Rio Santa Cruz Da Direita", ou Do Meio, ou Da Esquerda, como fazem as demais pessoas que lá conhecêramos.


No rio da direita existem duas cachoeiras – a mais de baixo que é o Poço Das Andorinhas; uma outra mais acima, e ainda uma cascata menor, mais adiante. No do meio também existe uma queda pequena; e no rio da esquerda visitamos uma cachoeira cujo acesso mais fácil é pelo sul, pela Colônia. A entrada por onde começou nossa investida é a oposta, a do Morro Inglês. Temos notícia de mais uma queda d'água, de médio porte, que ignoramos se pertence ao rio do meio ou o da esquerda. Tudo ficará mais claro no mapa a seguir.



Semanas antes, estivemos numa chácara buscando a trilha para certo lugar, cuja entrada erramos e acabamos perdendo o dia. De volta à base, o morador disse-nos que o caminho que deveríamos ter tomado cruzava o Santa Cruz Da Direita bem à altura de uma queda d'água. Pela da distância que descreveu, não podia ser a mesma que eu vira na imagem de satélite tempos atrás, mas cachoeira é pra nós igual dinheiro: não se recusa; então uma hora ou outra voltaríamos ali.

A ideia seria tentar ambas no mesmo dia; se uma não valesse a pena, a outra sim. O problema é que pra chegar na de baixo, aparentemente teríamos que dar a volta e entrar pelo desconhecido acesso de baixo. A ida à cascatinha de cima foi tranquila, bem como o morador contou; só que ela era pequena, não uma queda direta, mas em degraus, que talvez num tempo mais chuvoso até virem torrente única.

Cascatinha de cima do Santa Cruz da direita

De volta à casa do início, ainda faltava andar até o carro, pois ele não aguentara subir até ali. Se ao chegarmos na colônia, os moradores não nos permitissem passar, nosso proveito do dia teria sido muito pouco. Mas tínhamos uma carta na manga, um elemento novo que nos facilitou o planejamento, e que mais vezes será citado aqui no blog, pela grande utilidade.

Em 1980 o governo do Paraná contratou um levantamento fotográfico aéreo do estado inteiro, que embora fosse em preto e branco, tinha boa precisão, com a mesma escala de cartas topográficas, tendo inclusive embasado a elaboração ou atualização das existentes na época. O governo de Santa Catarina, por exemplo, encomendou esse tipo de serviço mais recentemente, e suas imagens são simplesmente as mais nítidas que já vi com esse fim.


Usar as fotos antigas do Google Earth é coisa bem comum em planejamento de exploratórias, não só porque há mais possibilidade de descobrir locais agora encobertos nas fotos atuais, como ainda para ver estradas que já não existem, e que viraram trilha. Pena que, retrocedendo nas fotos da Serra Do Mar, o mais distante que se chega é o ano de 2001. Dispor de informações de 21 anos antes, através do site do ITCG – onde estão guardados os arquivos de 1980 – é uma oportunidade de comparar muitas coisas. Entre elas um antigo caminho, desde as chácaras até a parte do rio que nos interessava, sem ter que fazer volta de carro. Nessa direção, numa casa adiante deram-nos informação de que a trilha ainda existia, embora bem mais fechada, com risco 'aleatório' de estar repleta de carrapatos.


O senhor que mora nessa outra casa também nos recebeu bem e contou ter descuidado um único carrapato escondido em sua nuca, cuja picada teve graves consequências, deixando-o no hospital. O período de incubação para uma febre maculosa inexistiu em sua narrativa, razão pela qual supusemos que padeceu de algo diferente. A sorte ajudou a que não pegássemos nenhum naquele dia; talvez porque na minha ida anterior a esse bairro, eu já tivesse "coletado" todos.


São 950m de trilha desde o fim da estrada até o rio, passando rente à soturna ruína de uma casa onde não imediatamente encontramos a continuidade do caminho. A cachoeira se localiza à esquerda do ponto em que chegamos no leito, e concluí que ela também não era a que foi vista do satélite, pois estávamos mais abaixo. No topo dessa que chamam Poço Das Andorinhas, não se achava jeito de descer; ficou bastante difícil porque a lateral esquerda era de pedras muito altas, e a direita tinha um capinzal que não nos deixaria ver onde pisar.

Decidi que voltaríamos à entrada da mesma trilha por onde chegamos, e tentaríamos descer mais internamente, pela mesma margem. Foi a decisão correta, só que descemos um tanto a mais e tivemos que subir por dentro do rio até chegar na base da queda. Era uma cachoeira diferente das outras; aquela água de cor verde clara, não comparável ainda ao Rio Araraquara, mas também era interessante.



O som agudo de uma ave que voava rápido para o fundo da gruta fez-nos entender o nome do lugar. A andorinha não gostou da nossa presença. Mas antes dela chegar, já tínhamos andado atrás da torrente e tiramos fotos. Depois de bastante tempo, quis achar alternativa para não voltar pelo mesmo trajeto, e sim por qualquer entrada mais curta para aquele barranco.

Deixei meus amigos um pouco mais no poço e fui 'batalhar' no mato até achar o estreito vestígio da única passagem segura. Chamei-os, e subimos. De fato cortava uma boa distância, e foi melhor descobri-lo na volta, porque na ida seria o tipo de lugar perigoso para se investigar de cima pra baixo.

Intuí mais ou menos como seria uma próxima investida, buscando então a cachoeira que faltava. Tanto ela, quanto o rio da esquerda e o do meio serão o tema do artigo seguinte.






quinta-feira, 15 de maio de 2014

Caminho Do Arraial


Um dos principais caminhos coloniais que faziam a ligação entre o litoral do Paraná e o altiplano onde Curitiba se situa, o Arraial foi via importante por onde passou a história do estado, sendo partícipe na sua formação e na sua identidade. Anteriormente com 10,75 léguas, ou 53,7 km, seu calçamento de pedras enveredava a Mata Atlântica no enorme desnível da Serra do Mar, unindo o atual município de São José Dos Pinhais com o Porto Fluvial Do Padre Veiga, em Morretes, por onde circulavam as mercadorias vindas ou destinadas ao trânsito marítimo. Palco por três séculos e meio de aventuras, dores e fortunas, fora em tempos pré-cabralinos possivelmente uma picada por onde a nação indígena Carijó se deslocava, ora à baixada na época de mariscos, ora de volta ao planalto na época do pinhão.


A despeito de tal origem, nunca constituiu um “ramal” do Caminho do Peabiru, como levianamente se divulga; tampouco uma simples “estrada dos Jesuítas”. Degradado hoje por obras estruturais e pelo imerecido esquecimento, representa um valioso patrimônio paranaense relegado ao longo de alguns quilômetros de floresta. Deu também origem a este blog, cuja intenção antes dos relatos de trilha seria tratar sobre história. Depois da tentativa frustrada, em 2013, de encontrar seus trechos preservados (como citado noutro artigo), fizemos novas visitas aos seus arredores, durante as descobertas das cachoeiras 1 e 2 da parte alta do Rio Fortuna; e também as do Rio Da Serra. As mesmas pessoas que nos orientaram sobre esses rios acabaram esclarecendo detalhes do Caminho Do Arraial. Passados alguns anos, este artigo deixa de ser um resumo histórico com um parêntese sobre a descrição atual, e passa a ser um relato da trilha atual, com um longo parêntese sobre sua história.




De tudo o que restou, o Arraial ao sul da BR-277 e o Arraial ao norte dela são dois mundos diferentes. Menções aos possíveis trechos calçados incluem descobertas feitas no tempo dos estudos para criação do Parque Guaricana. Nunca pisamos no lado sul; esperamos fazê-lo um dia, e imaginamos que seja uma paisagem de planalto rural, bucólica e tranquila como os demais interiores de São José Dos Pinhais. Já o lado norte, a descida da serra, é o contrário; um florestão perpetuamente disposto a fazer sumir o calçamento existente. Tendo o oleoduto OLAPA como o "eixo" do passeio, percorremos 2 dos seus prováveis 5 trechos, totalizando 1,79Km que são a parte em que se pode andar sem grande dificuldade.

Acesso

Começo da descida
Iniciamos na 1ª estrada de servidão da Petrobras, pois nossa intenção era andar noutra parte do calçamento desde cima, o que não foi possível por estar a mata muito fechada, e dessa forma acabaríamos gastando todo o tempo disponível numa só parte do trajeto. Descemos pela faixa de servidão até o Rio Da Serra, onde mostrei à minha amiga a cascata mais próxima, e logo seguimos para a entrada do trecho maior do Arraial, único que conhecia desde pouco tempo. A localização de cada coisa, assim como as distâncias e aquilo que presumimos ficarão bem claros no mapa seguinte. Estava bem mais limpo que na vez anterior, mas foi só nos 320 primeiros metros até a torre da linha de transmissão, creio eu, para uso dos funcionários da Copel. É interessante pensar que os séculos passaram, e o caminho continua sendo útil para alguém.


E tão roçado estava, que foi possível ver e ouvir ao longe o Salto Da Fortuna e as outras duas cachoeiras acima dele. Em seguida cruzamos um breve pedaço de floresta que separa ambas linhas de transmissão; e sob a segunda delas encontramos o bananal onde a trilha se torna bastante intrincada, antes de retomar a descida. Esta é a única parte que pode confundir um pouco. Entre a reentrada na floresta e a chegada na trilha do Fortuna, pode-se dizer que é o centro do passeio. Em trilhas antigas percorridas por mulas, mesmo as que não chegaram a ser calçadas, observa-se frequentemente que ao menos uma das laterais é mais alta, como se o caminho tivesse sido abaixado e aplainado. E de quando em quando, passa-se por vestígio de escoamento de água, na lateral oposta. Cuidar tal detalhe é garantia de não sair da rota certa, mesmo havendo várias curvas e trechos onde a folhagem cresceu.



Antigo engenho de mate
O mesmo Rio Da Serra por onde passamos antes curva-se para encontrar o Fortuna, e no final da descida é o seu ruído que predomina, quase abafando o de um filete d'água que existe à direita da trilha. A 75m de distância dela, no lado esquerdo, há uma vala murada que é o que restou de um dos beneficiamentos de erva mate da região. Mal aparece o vestígio até ele; a mata já quase o engoliu. Quando inteiro, o Arraial virava um pouco à direita e seguia até o segmento conservado que hoje se conhece. Mas infelizmente houve um desmoronamento, sabe-se lá em que época, obrigando os passantes a usarem um curto desvio um pouco duvidoso até alcançar a trilha do Fortuna. Nela fomos até o 1º cruzamento de rio, mas só para descansar um pouco pois naquele dia tínhamos receio de cabeça d'água; e até já estava garoando um pouco.


Já na parte preservada, lembro o que senti quando anos atrás pisei aquelas pedras pela 1ª vez; toda a curiosidade e desconfiança de que talvez nunca chegasse a conhecer sua continuação, tanto para cima, quanto para baixo. Esta era a parte que então faltava, e sem saber em que condições a encontraríamos, tínhamos o desafio de percorrê-la inteira, até a saída de volta no oleoduto. Facão ali é cômodo, mas nem de longe é necessário; há bastante espaço para andar, e até mais da metade da distância, a lateral alta na direita é bem reconhecível. Até que aparecem vestígios para a esquerda, em terreno mais lamacento e sem pedras, resultando numa trilha estreita cujo sentido era o que queríamos, de modo que saímos na faixa de servidão.

Parte preservada que coincide com a trilha do Salto Fortuna. Na 4ª imagem, a entrada da continuação, rumo ao oleoduto.

Foi-nos dito que do outro lado dela há um último trecho em pior estado, que seria necessário investigar de baixo para cima, por assim ser menos complicado. Não estava roçado o mato, no que nos restava para andar no oleoduto, mas havia uma picada nele; e em pouco tempo cruzamos o início da trilha normal do Fortuna, para em seguida chegar ao Sítio Vanessa. Lá viríamos a conseguir uma carona. A caminho do centro de Morretes, sabemos da existência de pelo menos uma casa em cujo terreno ainda existem pedras do Arraial. Parece até algo recente, uma calçada comum. Dos remanescentes deste caminho que fez parte da história de tantos homens e mulheres do nosso estado, é justo ali onde corre o menor risco de ser destruído.