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quinta-feira, 23 de novembro de 2017

Cachoeira Do Rio Igreja


Quatro anos atrás, no afã de identificar um mínimo vestígio do traçado completo do Caminho Do Arraial em imagens de satélite, me surpreendeu como era possível distinguir mesmo de tão "longe" cachoeiras com o porte do Salto Da Fortuna, a qual foi minha primeira encontrada. Em retorno do Salto Do Sagrado (ou Das Crianças), também por curiosidade resolvi marcar a localização dele no Google Earth, quando em seguida, ao mover bem mais para dentro o mapa me deparei com um segundo risco branco. Logo vi que tinha achado mais uma cachoeira, com quase nenhuma chance de ter nome ou qualquer menção escrita.


Era um lugar ermo demais, no coração da floresta, pra lá da divisa com Guaratuba; e inicialmente pensei que morreria com a ilusão de conhecê-la. Ocorre que essa "brincadeira" de encontrar quedas d'água abriu um horizonte tão largo, que de certa forma contribuiu até para modificar o teor deste blog – cuja intenção primeira fora apenas tratar a história do Arraial, e hoje busca ser um útil sumário de trilhas raras. Numa carta topográfica do IBGE, constava aquele rio longínquo como um afluente do Igreja – por sua vez, tributário do Canavieiras – entretanto numa versão mais detalhada, refeita pela Mineropar, ficou claro que se tratava do próprio Igreja, o qual nasce ante o enorme paredão de pedra no pico de mesmo nome.


Ainda na atmosfera de ter andado um percurso inteiro dentro de um rio, como pude experimentar no impressionante Salto Canta Galo, surgiu a intuição de fazer o mesmo para chegar na inexplorada. E previ que assim seria, caso alguma vez conseguisse como parceiro alguém com carro e coragem bons o bastante para enfrentar a estradinha escabrosa que lá dava acesso. Outros projetos de trilha apareceram e se impuseram como prioridades, quais foram a Dupla (melhor cachoeira que conheci na vida), e uma outra que não gosto nem de lembrar o nome. Assim o tempo passava, e com a evolução nos conhecimentos aprendidos desde o Morro Da Pedra até a odisséia na Bocaina, vi quão preferível era andar pela floresta do que abraçando rochas rio acima por quilômetros.


Ao localizar uma chácara muito remota nas proximidades, e calculando que encurtaria nossa caminhada, tivemos então a primeira possibilidade real de alcançar o ponto do rio que nos interessava. Que nos desculpe o leitor, por mais essa vez que se rompe a forma impessoal característica das narrativas aqui, mas existe hoje um bom motivo. Esse artigo é especial não só pela raridade da conquista; mas também porque convido pela 1ª vez a minha amiga Wanele Riccetto para expor com suas próprias palavras o desenrolar do dia 14 de outubro; cujo relato a seguir será (alternadamente) diferenciado pela cor verde da escrita.

O dia 14 de Outubro de 2017 fora reservado para aquilo que eu considerava uma investida exploratória. Advindo de um aprazível convite do amigo Jean Di Santi, o qual conheci há cerca de 1 ano nas proximidades do morro Capivari Médio, localizado na carta topográfica Bairro Alto.

A ideia inicial era lotarmos o veículo do Antônio Sérgio, outro colega incumbido na aventura. Todavia, devido as condições climáticas desfavoráveis e demais casos fortuitos, outros colegas não abraçaram a causa e partimos apenas os três em direção a Morretes. No trajeto, trocamos típicas figurinhas de montanhistas, caminhantes ou trilheiros, como se queira definir. O assunto girava em torno de tudo aquilo que os pés podem alcançar e o coração almejar, como montanhas poucos frequentadas e lugares inóspitos no mapa.

O clima de “Indiana Jones” só veio à tona no momento em que pegamos a estradinha de chão em condições não muito transitáveis. Uma maratona contra buracos e pedras que poderiam danificar a parte inferior do veículo. Em dado momento, logo após atravessar o Rio Da Laje, notamos um barulho de peça batendo no chão: era o protetor de cárter da Ecosport do Antônio que havia se desprendido. A missão naquele momento, era utilizar a corda que o Jean carregava consigo, para prender a peça e prosseguir viagem.

Uma breve disputa entre homem e butuca se iniciou, onde um ajudava o outro espantando o bichinho sedento por sangue. Mas, como missão dada é missão cumprida, seguimos nossa aventura até chegar no ponto em que o Jean coletaria informações com moradores locais. Ledo engano, pois não havia uma alma viva nos casebres das redondezas.

A aventura deveria seguir então pelos prévios estudos da região e, também, pelo feeling dos envolvidos na empreitada. E assim, fomos rumo ao ponto de referência no mapa: uma velha casa desabrigada no meio do nada. A caminhada começou animada, porém com notada preocupação do Antônio devido as condições climáticas desfavoráveis. A previsão era de chuva e isso não seria muito convidativo para atravessar novamente o riacho.

Em dado momento, Antônio – o condutor na ocasião, resolveu voltar para não correr o risco de ficar ilhado com o carro. Decidimos, assim, que eu e o Jean continuaríamos na jornada, com o consentimento expresso do Antônio apostando todas suas fichas na nossa capacidade exploratória. E assim fomos, caminhando na maioria das vezes de forma silenciosa por entre a mata que nos observava de forma serena, sussurrando uma brisa em nossos ouvidos e, a cada novo passo, se estreitando em suas saliências.

Um pouco mais de 3km percorridos, chegamos finalmente em nosso ponto referencial. Resolvemos adentrar na casa abandonada e naquele exato momento, consegui sentir toda a vida que um dia habitara aquele lugar perdido no mundo. Uma pequena pausa para hidratação e fotos e, logo, a picada à esquerda nos convidava a seguir viagem num ambiente até então desconhecido dos olhos. O mato espaçado não ajudava muito na orientação, mas o Jean observava atentamente a localização em seu celular.

Ter encontrado abandonada a última casa tirou-nos já a preocupação de não ser permitida nossa entrada por eventuais moradores. O 2º risco era não existir sequer um vestígio de trilha para a cachoeira, apesar da proximidade. Mas logo ao chegar, já vi ao lado da casa, bem no ponto esperado, aquela entradinha “suspeita” que causou-nos alívio. Como é comum, à certa distancia, os indícios tornaram-se vagos demais, quase imaginários. A mata espaçada pode ser algo bom (nisso pensamos diferente) para quem está acostumado a andar fora de trilha; e considerando o pouco desnível do terreno, bastaria traçar uma linha na direção correta e andar, mesmo se apenas uma bússola nos guiasse, em vez do aplicativo.

Trabalhamos juntos para definir o melhor trajeto e evitar riscos desnecessários. Confesso que senti um certo receio, pois era a primeira vez que caminhava ao lado do Jean e não sabia o que nos aguardava. As chances de algo dar errado sempre existe e eu, definitivamente, não gostaria de virar estatística... O Jean comentava comigo de que existem onças naquela região. Eu olhava atentamente para todos os lados, com os ouvidos bem apurados e seguindo todas as instruções que ele me passava, caso avistasse o “bichinho”... Por sorte, somente os carrapatos faziam a festa com os novos visitantes!

Conseguimos navegar de forma satisfatória até ouvir o barulho da queda d'água. Sabíamos que a cachoeira estava próxima de nós, porém, existia uma certa dificuldade para encontrar a descida. Andamos um pouco adiante tentando achar a “reta final”, porém, tivemos que voltar pois não havia vestígios seguros para continuar. Uma pequena onda de negatividade pairou em minha cabeça: aquela sensação de confusão, do tempo correndo, da possibilidade de chuva, de não encontrar o caminho, enfim, a angústia da chegada obscura...

Não obstante todas essas sensações, continuei andando atenta e seguindo os conselhos que uma vez ouvi numa trilha: “Olhe sempre pra baixo, não procure fitas e marcações em árvores, mas sim o caminho”. E foi assim que, em certo momento, chamei o Jean que estava um pouco à minha frente e disse: “Olha Jean, ali parece ter uma entrada”. Ele prontamente voltou e seguimos aquela minha intuição. Os olhos já brilhavam e o coração disparava por avistar uma janela no meio da floresta. Faltava pouco, alguns passos somente, e o objetivo seria alcançado!

Lembrei da frase do Amyr Klink: “É preciso, antes de mais nada, querer”. E é assim mesmo, não existe obstáculo quando almejamos muito algo, nosso coração é nosso guia! Agradeço aos amigos Jean e Antonio, por mais uma página no livro de aventuras da minha vida!

O “enrosco” de fato era aquele final, como sempre, para achar o ponto correto de descida ao rio, que naquele caso poderia ser tanto pelas partes convexas, quanto pelas côncavas da barranca. Tentamos pela primeira, mas era íngreme demais. Quem nunca fez exploratória em rio não sabe a tensão que é tentar enxergar para baixo entre as matas, sem saber se naquele ponto pode-se ou não despencar. Não aceitaria um fracasso; sonhava com aquilo havia tempo suficiente, ademais não estava disposto a decepcionar a Wanele de forma alguma.


Ela mesma identificou o ponto melhor para descer, na parte côncava, como dito em sua narrativa; e isso foi crucial porque nos poupou bastante tempo. Vimos o primeiro “branco” da cachoeira por entre as folhas, e tenho certeza que a felicidade dela foi igual a minha. Sobre base rochosa, era uma queda d'água de médio porte, mas muito bonita, permitindo aproximação sem obstáculos para o banho. Nela só não nos estendemos mais, pelo receio da chuva, e por pensar em quem nos aguardava. Finalmente aquele risco branco perdido no mapa tinha se tornado uma realidade para nós.