quinta-feira, 15 de maio de 2014

Caminho Do Arraial


Um dos principais caminhos coloniais que faziam a ligação entre o litoral do Paraná e o altiplano onde Curitiba se situa, o Arraial foi via importante por onde passou a história do estado, sendo partícipe na sua formação e na sua identidade. Anteriormente com 10,75 léguas, ou 53,7 km, seu calçamento de pedras enveredava a Mata Atlântica no enorme desnível da Serra do Mar, unindo o atual município de São José Dos Pinhais com o Porto Fluvial Do Padre Veiga, em Morretes, por onde circulavam as mercadorias vindas ou destinadas ao trânsito marítimo. Palco por três séculos e meio de aventuras, dores e fortunas, fora em tempos pré-cabralinos possivelmente uma picada por onde a nação indígena Carijó se deslocava, ora à baixada na época de mariscos, ora de volta ao planalto na época do pinhão.


A despeito de tal origem, nunca constituiu um “ramal” do Caminho do Peabiru, como levianamente se divulga; tampouco uma simples “estrada dos Jesuítas”. Degradado hoje por obras estruturais e pelo imerecido esquecimento, representa um valioso patrimônio paranaense relegado ao longo de alguns quilômetros de floresta. Deu também origem a este blog, cuja intenção antes dos relatos de trilha seria tratar sobre história. Depois da tentativa frustrada, em 2013, de encontrar seus trechos preservados (como citado noutro artigo), fizemos novas visitas aos seus arredores, durante as descobertas das cachoeiras 1 e 2 da parte alta do Rio Fortuna; e também as do Rio Da Serra. As mesmas pessoas que nos orientaram sobre esses rios acabaram esclarecendo detalhes do Caminho Do Arraial. Passados alguns anos, este artigo deixa de ser um resumo histórico com um parêntese sobre a descrição atual, e passa a ser um relato da trilha atual, com um longo parêntese sobre sua história.




De tudo o que restou, o Arraial ao sul da BR-277 e o Arraial ao norte dela são dois mundos diferentes. Menções aos possíveis trechos calçados incluem descobertas feitas no tempo dos estudos para criação do Parque Guaricana. Nunca pisamos no lado sul; esperamos fazê-lo um dia, e imaginamos que seja uma paisagem de planalto rural, bucólica e tranquila como os demais interiores de São José Dos Pinhais. Já o lado norte, a descida da serra, é o contrário; um florestão perpetuamente disposto a fazer sumir o calçamento existente. Tendo o oleoduto OLAPA como o "eixo" do passeio, percorremos 2 dos seus prováveis 5 trechos, totalizando 1,79Km que são a parte em que se pode andar sem grande dificuldade.

Acesso

Começo da descida
Iniciamos na 1ª estrada de servidão da Petrobras, pois nossa intenção era andar noutra parte do calçamento desde cima, o que não foi possível por estar a mata muito fechada, e dessa forma acabaríamos gastando todo o tempo disponível numa só parte do trajeto. Descemos pela faixa de servidão até o Rio Da Serra, onde mostrei à minha amiga a cascata mais próxima, e logo seguimos para a entrada do trecho maior do Arraial, único que conhecia desde pouco tempo. A localização de cada coisa, assim como as distâncias e aquilo que presumimos ficarão bem claros no mapa seguinte. Estava bem mais limpo que na vez anterior, mas foi só nos 320 primeiros metros até a torre da linha de transmissão, creio eu, para uso dos funcionários da Copel. É interessante pensar que os séculos passaram, e o caminho continua sendo útil para alguém.


E tão roçado estava, que foi possível ver e ouvir ao longe o Salto Da Fortuna e as outras duas cachoeiras acima dele. Em seguida cruzamos um breve pedaço de floresta que separa ambas linhas de transmissão; e sob a segunda delas encontramos o bananal onde a trilha se torna bastante intrincada, antes de retomar a descida. Esta é a única parte que pode confundir um pouco. Entre a reentrada na floresta e a chegada na trilha do Fortuna, pode-se dizer que é o centro do passeio. Em trilhas antigas percorridas por mulas, mesmo as que não chegaram a ser calçadas, observa-se frequentemente que ao menos uma das laterais é mais alta, como se o caminho tivesse sido abaixado e aplainado. E de quando em quando, passa-se por vestígio de escoamento de água, na lateral oposta. Cuidar tal detalhe é garantia de não sair da rota certa, mesmo havendo várias curvas e trechos onde a folhagem cresceu.



Antigo engenho de mate
O mesmo Rio Da Serra por onde passamos antes curva-se para encontrar o Fortuna, e no final da descida é o seu ruído que predomina, quase abafando o de um filete d'água que existe à direita da trilha. A 75m de distância dela, no lado esquerdo, há uma vala murada que é o que restou de um dos beneficiamentos de erva mate da região. Mal aparece o vestígio até ele; a mata já quase o engoliu. Quando inteiro, o Arraial virava um pouco à direita e seguia até o segmento conservado que hoje se conhece. Mas infelizmente houve um desmoronamento, sabe-se lá em que época, obrigando os passantes a usarem um curto desvio um pouco duvidoso até alcançar a trilha do Fortuna. Nela fomos até o 1º cruzamento de rio, mas só para descansar um pouco pois naquele dia tínhamos receio de cabeça d'água; e até já estava garoando um pouco.


Já na parte preservada, lembro o que senti quando anos atrás pisei aquelas pedras pela 1ª vez; toda a curiosidade e desconfiança de que talvez nunca chegasse a conhecer sua continuação, tanto para cima, quanto para baixo. Esta era a parte que então faltava, e sem saber em que condições a encontraríamos, tínhamos o desafio de percorrê-la inteira, até a saída de volta no oleoduto. Facão ali é cômodo, mas nem de longe é necessário; há bastante espaço para andar, e até mais da metade da distância, a lateral alta na direita é bem reconhecível. Até que aparecem vestígios para a esquerda, em terreno mais lamacento e sem pedras, resultando numa trilha estreita cujo sentido era o que queríamos, de modo que saímos na faixa de servidão.

Parte preservada que coincide com a trilha do Salto Fortuna. Na 4ª imagem, a entrada da continuação, rumo ao oleoduto.

Foi-nos dito que do outro lado dela há um último trecho em pior estado, que seria necessário investigar de baixo para cima, por assim ser menos complicado. Não estava roçado o mato, no que nos restava para andar no oleoduto, mas havia uma picada nele; e em pouco tempo cruzamos o início da trilha normal do Fortuna, para em seguida chegar ao Sítio Vanessa. Lá viríamos a conseguir uma carona. A caminho do centro de Morretes, sabemos da existência de pelo menos uma casa em cujo terreno ainda existem pedras do Arraial. Parece até algo recente, uma calçada comum. Dos remanescentes deste caminho que fez parte da história de tantos homens e mulheres do nosso estado, é justo ali onde corre o menor risco de ser destruído.


9 comentários:

  1. Texto muito bem organizado. Sugiro adicionar fontes. abraços continue escrevendo.

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    1. Obrigado pela visita, Xiru.
      Para obter essas informações, usei principalmente o livro Caminhos Das Comarcas de Curitiba e Paranaguá, de Júlio Moreira Estrela, que por sua vez baseou-se nos livros "Memória Histórica, Cronológica, Topográfica e Descritiva da Vila de Morretes e de Porto Real, vulgarmente Porto de Cima" e "Memória Histórica da cidade de Paranaguá e seu município", do Vieira Dos Santos. Também li parte de "A Conquista Da Serra Do Mar, de Rubens Roberto Habitzheuer.

      Tenho me dedicado a procura por cachoeiras desconhecidas ou pouco conhecidas, por isso não pude até agora escrever páginas sobre os demais caminhos coloniais do Paraná, que era meu objetivo; mas espero retomar as pesquisas em breve, porque já diviso oportunidade.

      Pode procurar pelo nosso grupo de trilha no Facebook, Bromado Expedições, para futura informação.

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  2. Impressionante seu texto e sua persistência....quero muito passar pela parte onde fica o beneficiamento da erva mate.....será que ainda tem acesso? ....seria muito bom ppder pesquisar lá em parceria com algum órgão ou museu.....poderíamos levantar im pouco das histórias e costumes locais na época através de detectores de metais.....seria muito emocionante....se conseguir ver esse post e responder no e mail seria muito legal e promissor....

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    1. Obrigado. Me deixe seu número, e posso te sugerir um lugar talvez ainda mais promissor para estudos dessa natureza.

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  3. Muito interessante seu relato, costumo fazer o Caminho do Itupava, que descobri quando estava fazendo supletivo de segundo grau. A professora de biologia pediu um trabalho sobre a mata atlântica. Fui numa Loja do cebo e comprei uma revista que tinha na capa em destaque "Em busca da trilha perdida" essa trilha começava em S.José dos Pinhais e cruzava a BR 277. Mas que ela passa por propriedades particulares que não era permitida a entrada. Fiz meu trabalho baseado na revista. Na apresentação em sala um outro aluno me falou sobre a Itupava. Isso foi em 2003. De lá pra cá começamos a fazer a trilha do Itupava todos os anos. Eu meu filho e alguns amigos. Iamos pelo menos uma vez por ano. Hoje meu filho tem um grupo de trilheiros. Já tive curiosidade de conhecer essa trilha perdida mas achei arriscado. Se perder na mata não é bom.

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  4. Boa tarde. Bora fazer o trajeto original. 41998962558

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    1. Boa tarde. O trecho que ainda não conheço deve estar bem fechado. Pra gente se animar de bater um facão por lá, demora um tempinho ainda...

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  5. Fala Jean, a gente esteve conectado na época que eu tinha face. Tenho mó interesse de fazer essa parada aí, e até levar uma tesoura boa pra varar mato. Moro em Sampa há 13 anos, mas sou de Curitiba, e já fiz, além do conhecidíssimo Itupava, uns trechos do Caminho Colonial da Graciosa. Mas, estranhamente, do Caminho da Graciosa, só se ouve falar no livro que Fiori e cia publicaram em 2007.

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