Incursões
Iniciais
É incerto o primeiro
caminho usado por europeus até o planalto, visto que da primeira
expedição feita às nascentes do Rio Iguaçu, em 1531, ninguém
retornou; portanto não se supõe qual trajeto tenha sido escolhido.
Somente 54 anos depois, no meio de Novembro de 1585, Martim Afonso de
Sousa partiu de Santos, velejando com alguns homens até
Paranaguá, de onde mais
tarde subiu a serra para “prear” (caçar) índios nos campos de
Tibagi. Isto por iniciativa do capitão mor de São Vicente, Jerônimo
Leitão, forte partidário da escravidão indígena.
A
Descoberta De Ouro E Os Primeiros Arraiais
Se inicialmente o caminho
fora usado por “viandantes” apenas na busca por índios, em pouco
tempo estes primeiros incursores descobriram ouro na extensão dos
rios próximos, atraindo intensamente ao local as atenções que
outrora estiveram sobre Paranaguá. Conta-se que nesses dias
remeteram ao rei um frasco cheio do mineral para evidenciar sua
abundância. (Há controvérsia se o envio desse recipiente concerne
a tal ocasião ou à primeira descoberta.) O uso do primitivo caminho
foi gradativo, conforme os faiscadores iam buscando novas jazidas,
cada vez mais ao alto da serra; tendo-se localizado o primeiro
arraial (daí o nome) próximo à foz do Rio Do Pinto.
Manoel Pinto
Ferreira foi quem “cedeu” seu nome ao rio, quando esteve presente
na medição de trezentas braças de terra ao longo do mesmo,
destinadas para uso público por determinação do Ouvidor Pardinho,
em 08/11/1733. Nele os viajantes chegavam ou saíam usando “pirogas”
(canoas rústicas) de estilo Carijó, e o local foi chamado “Porto
do Padre Veiga”, ou “Porto Do Arraial”, mas também “Porto De
Curitiba.” O citado rio desemboca no Nhundiaquara, (cujo nome
naquele tempo era Cubatão) e que por sua vez termina na Baía De
Paranaguá. O povoado nascido neste porto fluvial teria florescido e
com certeza existiria até hoje, não fosse a criação do porto de
Morretes, anos mais tarde; o qual centralizou serviços de
armazenagem dos bens trafegados entre a "marinha” (litoral) e
a serra.
O Rio Fortuna, que se junta
ao Rio Da Serra para formar o Rio Do Pinto (nos mapas há
erro), deve seu nome à enorme riqueza gerada pelas numerosas
catas de ouro, que proporcionavam lucro tanto aos poderosos da
capitania, donos de muitos escravos, quanto a lusitanos que chegavam
para se aventurar. Um dos assentamentos na planície chamou-se
Arraial de Botafogo, o qual não se pode precisar atualmente em que
parte ficava. Sobrou dele apenas o nome de um outro arroio afluente
do Pinto. A estrada que hoje existe na parte plana e baixa do caminho
chama-se Anhaia, e as pessoas pensam que foi por causa de uma escrava
idosa que ganhou do seu senhor uma casa no local, por serviços
prestados. Mas é possível que isso seja lenda, e que o nome desta
senhora fosse apenas parecido com a palavra Anhaia, a qual era o
sobrenome de um dos primeiros moradores da região, de prenome Paulo.
Este, chegado antes de 1697.
O
Lucrativo Arraial Grande
Com
a extinção do Botafogo, formou-se no alto da serra, perto das
nascentes de rios que vão à Baía De Guaratuba, o famoso Arraial
Grande – que por algum tempo
emprestou este adjetivo ao nome do Caminho do Arraial. Pela sua
prosperidade, tal assentamento chegou a ter quatro casas comerciais,
em 1768. Era meio caminho entre Curitiba e o litoral, mas sabia-se
que não vingaria como povoado permanente, dada sua localização em
zona serrana e chuvosa – daninha às atividades agrícolas.
Esgotadas as jazidas do Rio do Pinto, Arraial Grande e Curitiba,
muitos mineradores viriam a debandar para Minas Gerais, então famosa
pela abundância mineral, enquanto outros passariam a se dedicar à
roça.
Calçamento
De Pedras
Alcançado o alto da serra,
o caminho tomava distintos rumos, um dos quais ia à região de
Piraquara passando por onde hoje é o distrito de Nova Tirol. Outro
ramal atingia o sítio das Águas Belas, pertencente ao padre João
Da Veiga Coutinho, quem mandou erigir uma capela que deu origem ao
povoado de São José Dos Pinhais. Este tornou-se administrativamente
o ponto final do caminho. Mesmo não sendo tão grande a extensão
percorrida, tentou-se diversas vezes a
abertura de novas veredas e desvios, para facilitar o tráfego na
serra, mas costumava ser em vão porque ao fim se
reconhecia sempre
a necessidade de retornar ao
traçado original. Ali passou muito da produção agropecuária
inclusive de povoados menos próximos, como o Porto do Príncipe
(Lapa). Esta
é uma nota de jornal, já no século XX, sobre o pioneiro de São
José:
"Veiga
era filho de um senhor abastado e estudava como seminarista no Rio De
Janeiro, quando seu pai e sua mãe foram barbaramente trucidados. Padre
ou não, era um moço de temperamento forte, e quando veio tomar posse das
terras que por herança lhe couberam, estava decidido a fazer justiça
pelas próprias mãos, descobrindo e punindo os matadores de seus pais.
Naqueles tempos mais rudes, contudo mais pacíficos, um sacerdote não
praticava atos que incitassem a violência ou levassem a ela. Era, antes
de tudo, um pastor que tinha de dar exemplo de mansidão a suas ovelhas. E
chamado à ordem, jurou que não realizaria tais intentos, deixando a
justiça à mercê divina. A Cruz perante a qual jurou, trouxe-a consigo, e
por muito tempo esteve na Capela De Águas Belas, que êle fundou, por
êsse motivo em homenagem a Bom Jesus dos Perdões. Águas Belas, pois, que
em nossos dias deu nome a uma boate consumida recentemente num
incêndio, é um nome muito antigo do local onde se situava. A irmã desse
padre Veiga foi casada com o fundador de Antonina, fato que comprova a
importância da família nessa época."
Durante
o esperado calçamento da trilha, estipulou-se que entre São José e
o Arraial Grande os custos seriam repartidos; e Curitiba arcaria
somente com os mantimentos para os trabalhadores. Desde o topo até o
porto fluvial, o custeio seria exclusivo do Arraial Grande. O
possuidor de terras adjacentes ao caminho que se furtasse ao
pagamento da sua cota era multado, podendo sofrer o sequestro dos
bens para a garantia da quitação. A multa costumava chegar a seis
mil Réis, no máximo. Os consertos e o mantenimento dos diversos
trechos do caminho eram comandados por alguns oficiais do exército.
Às vezes o serviço resultava aquém do exigido, e após vistoria
obrigava-se aos responsáveis que refizessem o que saíra errado.
Em alguns documentos antigos
havia ambiguidade sobre a origem de escravos que trabalharam nas
minas, se eram índios ou negros, entretanto certa vez dois
encarregados foram intimados a dar explicações na câmara de
Curitiba sobre a parte faltante no seu serviço de manutenção do
calçamento; então argumentaram que careciam de gente para tal
execução; referindo-se aí aos negros. Isto já começava a ocorrer
em virtude do êxodo provocado pelo fatal esgotamento das jazidas
auríferas. Restaram em seguida poucos comércios para atender os
viajantes, no que até pouco tempo foi conhecido como Pilão De
Pedra.
Nos anos 1950 esteve neste local o escritório de Lysimaco
Franco Ferreira Da Costa, quem desenhou o traçado da BR 277. Ele
afirmava que ali havia uma grande rocha natural, que lembrava um
pilão, e que fora danificada por pessoas à procura do suposto ouro
escondido pelos jesuítas (os quais um dia foram banidos do Brasil e
de Portugal). Jazem hoje fragmentos da referida rocha, solapados
perto da rodovia. Por
falar nela, vale mencionar que a ferrovia Curitiba - Paranaguá
poderia ter sido construída no mesmo local, muitos anos antes, como
mostra este artigo do jornal "O Município", do final do século XIX:
"Quando
se tractou da construcção da actual via férrea de Paranaguá a
Coritiba, foi estudado um traçado de Morretes a Coritiba paralelo à
Estrada Do Arraial, por cujo traçado seria a estrada construída com
a máxima facilidade, pois tal é a conformação do terreno, que
somente um tunnel seria necessario, e o custo total seria inferior a
dez mil contos de reis. A sorte, porém, que para o municipio de S.
José tem sido sempre avara, fez com que fosse preferido o traçado
por onde foi a estrada construida, vencendo-se n'essa obra as
maiores difficuldades, já pelo grande número de tuneis e viaductos
que se tornaram necessarios, já pelo augmento da distancia, elevando
o custo, alem do grande prejuizo que causou a uma importante
localidade, a quantia superior a 14:000$! Deixemos, porém, aos
nossos posteros o julgamento d'esse grande crime de
leso-patriotismo.”
A
Exigência Real Por Madeira Sacrifica A Comarca
Sendo as araucárias
existentes no planalto, madeira de alta qualidade, exigiu o vice-rei,
Conde De Bobadela, a sua extração para uso principal em mastros dos
grandes navios que cruzavam o Atlântico a serviço de Portugal –
como por exemplo a famosa nau São Sebastião. Isso tudo teria um
alto custo, com o qual a Comarca não teria condições de arcar,
portanto foi pago pela corte o montante de quarenta e três mil,
cento e cinquenta réis para todas as despesas do transporte. O
caminho escolhido para isso foi exatamente o Arraial. Mas ao chegar
no Porto do Padre Veiga, seria difícil o seu transporte até a Baía
De Paranaguá, de onde seriam levadas essas toras até Salvador,
Bahia, lugar dos bons estaleiros do Brasil na época. Entre outras
hipóteses de transposição de rios, aventa-se até mesmo que os
troncos pudessem haver sido deixados para que flutuassem no Cubatão
rumo à sua desembocadura.
O que se gastasse nesse
entretempo seria ressarcido pelo Reino, no entanto os recursos
humanos e materiais despendidos no cumprimento de tal determinação
real tumultuaram a vida na comarca, pois já faltava gente em outros
serviços e principalmente na lavoura, o que fez aumentar
violentamente o preço dos gêneros alimentícios e trouxe o medo da
fome. Juntas de bois carregando pesadas toras de 90 palmos serra
abaixo exigiam um brutal esforço para a conservação do calçamento,
e para a derrubada da mata em algumas curvas, possibilitando sua
passagem. Não havia como cumprir prontamente a ordem do Capitão
Mor, de recuperar ao mesmo tempo o Caminho do Itupava, pois toda
força de trabalho já estava empregada no Arraial. Esse transporte
foi tão penoso e tão emblemático para o povo, que o próprio
caminho passou a ser chamado de “Caminho Dos Paus” (como se
referiam aos troncos), e o antigo Porto do Padre Veiga foi igualmente
nominado “Porto Dos Paus”.
Favorecimento
Ao Itupava
Outro fato que prejudicou o
Arraial foi a decisão do Tenente Coronel Afonso Botelho de Sampaio e
Sousa de usar o Caminho do Itupava para subir dois canhões que
serviriam a uma fortificação na região de Tibagi, em 1721. Foi
ordenado que nenhuma carga pesada, em lombo de bois passasse pelo
Itupava, ficando destinado para isso só o Arraial. Por
consequência, este acabou se danificando mais rapidamente em virtude
do frequente tráfego pesado. Exceto em tempos de estiagem, os
viajantes sem carga (inclusive os que vinham do sul dos Campos
Gerais), preferiam percorrer um trajeto mais longo usando o atalho de
Piraquara, para então seguir ao Itupava. Os próprios moradores de
São José às vezes davam a volta por Curitiba para também usar o
caminho preferencial desta cidade. Se alguém fosse flagrado
perfazendo o Itupava com tropa bovina, era multado em seis mil Réis,
pagos na cadeia – a que se condenava por 30 dias. Mas
posteriormente a forma desta arrecadação modificou-se, remunerando
também os eventuais delatores do infrator.
O
Intenso Sofrimento Dos Trabalhadores
No século XIX já não
havia uma coordenação militar sobre as obras do caminho, ficando
obrigados os moradores do seu entorno ao trabalho de conservação,
por meio de arbitrários mandados expedidos pelas câmaras. Labutando
à força pelo bem comum, tendo que furtar tempo à jornada das
próprias subsistências, estes homens nada recebiam como
remuneração, e mesmo a comida fornecida era escassa, sendo na
maioria das vezes apenas carne e farinha. Tinham de usar ferramentas
particulares, porque nem isso lhes era cedido, e se alguma delas
quebrasse, dificilmente seria reposta.
A solução encontrada foi
instituir, em 1805, uma “cobrança voluntária” nas vilas
atendidas pelo caminho, mas em pouco tempo um mal-estar foi gerado
pela possibilidade desse dinheiro estar sendo empregado noutros fins,
dentro das próprias freguesias.
Desta forma cessou a arrecadação, o que forçou novamente a que os
reparos fossem feitos pelos gratuitos e penalizados braços dos
moradores; culminando num dos piores períodos da história do
Arraial, inclusive pela má vontade com que, compreensivelmente,
faziam o serviço. Em 1802 o irmão de José Bonifácio, Martin
Francisco Ribeiro D’andrada,
visitou o Paraná e sua impressão dos caminhos utilizados
foi a seguinte:
"Tanto
nesta estrada como em outras da capitania, salta aos olhos o seu mau
estado; as Câmaras não as podem fazer porque têm poucos
rendimentos e estes vão-se, às vezes, em despesas supérfluas e
inúteis: os ricos, que deveriam fazer suas testadas, ou são
camaristas – e não são obrigados – e então o dinheiro sempre
compra patronos, o pobre, como não pode subtrair-se às ordens,
obedece, e as faz de modo que lhe não leve tempo e lhe seja
permitido cuidar com a maior prontidão nos meios de subsistência.
Eu já não falo nos rios que cortam as estradas, porque em chovendo
são intransitáveis pela falta de pontes; é doloroso para todo o
homem sensível e amigo da felicidade pública, que habita nesse
país, o ser espectador de uma cena não interrompida de desordens,
injustiças e misérias."
Cobrança
De Pedágio
Com a dificuldade da
contribuição volitiva, instituiu-se o primeiro pedágio no Arraial,
correspondente a 200 Réis por cabeça de gado, totalizando no
primeiro ano a contagem de 5344 animais, quase todos descendo
carregados de erva mate – em grande parte ainda não beneficiada,
pois a maioria das beneficiadoras estava no litoral. Mas como tal
cobrança era efetuada por um tesoureiro na parte baixa, alguns
boiadeiros usavam uma picada anterior para desviar deste ponto e
deixar de pagar o valor, seguindo mais a frente rumo a Paranaguá.
Outros no entanto, negavam-se ao pagamento do pedágio alegando dano
aos bens transportados, por causa do mau estado do calçamento. Isso
criou um círculo vicioso: Não se paga porque não se consertou a
estrada, e não se a conserta por não haver suficientes fundos. Os
inadimplentes, em certo momento, chegaram a superar os pagantes. O mais antigo texto de jornal que encontramos sobre o caminho é de 1835, uma publicação oficial no periódico "O Paulista":
"O Vice Presidente da Província recebeu o officio do Sr. Inspetor da Estrada do Arraial datado de 15 do mez pp., participando o estado em que se acha a Estrada a seu cargo, e as providencias que tem dado para o concerto da mesma nos logares em que se tem mais arruinado; julgando entretanto ser mais conveniente, e menos dispendioso mudar a dicta Estrada pelo lado esquerdo do Rio Do Pinto; e o mesmo Vice-Presidente auctorisa ao dicto Sr. Inspetor para que faça a abertura da Estrada pelo lado esquerdo deste Rio, caso sejão verdadeiras as informações que pôde obter a este respeito, e não sendo as mesmas exactas deverá promover o concerto da actual, empregando todos os seus exforços, a fim de que antes da entrada das aguas se ache concluido o dicto concerto, ou o novo atalho que propoem no seu mencionado officio." Francisco Antônio De Souza Queiroz, o Barão de Souza, presidente interino da província.
O
Papel De Vieira Dos Santos
Parte da fartura de
informações que se tem hoje a respeito dos caminhos coloniais
deve-se a que o mencionado tesoureiro do Arraial era Vieira Dos
Santos, um interessado historiador que nos legou diversos relatos,
não apenas do seu tempo, mas de tempos muito anteriores. Assim
descreve ele algumas das razões da baixa arrecadação no caminho:
"Passo
agora a mostrar a V.S as cauzas primárias de ter havido tão pouco
rendimento nesta estrada quaes são -1º Por se não ter conçertado
nella muitos passos que estão intransitáveis e impedem a livre
passagem das tropas com perigo de morrerem os animais 2º Não se
achar ao menos descortinada a mesma de muitos mattos e arvoredos que
cobrem deixando-a por isso muito humida com agoas estragadas e
atoledos. 3°Por se haverem encaminhado a maior parte dos tropeiros d
‘aquela freguesia pela Estrada de Coritiba (caminho do Itupava)
vindo desta maneira augmentar os rendimentos desta e deminuir o d’
aquella. 4º Por não ter a freguezia de São José sua importação
de generos commerciaes como como tem a Villa de Coritiba."
Considerando que as despesas
do Arraial igualavam e às vezes até superavam as receitas, a
Comarca decidiu procurar saber o nome de quem se negava a pagar
pedágio, para posteriormente mandar um cobrador em seu encalço. O
presidente da província, (de São Paulo, pois a emancipação do
Paraná só viria em 1853), Rafael Tobias de Aguiar, tomou
conhecimento da situação e exigiu uma prestação detalhada de
contas. Vieira Dos Santos, alegando motivo de doença, pediu
exoneração, mas seguiu por algum tempo no cargo, com a intenção
de detalhar seus atos para conservar a idoneidade do seu nome.
Tobias
Aguiar quisera cobrar dele o que fora deixado de arrecadar dos
usuários do caminho, mas o vice-presidente que assumira a província
em seguida aceitou as justificativas do tesoureiro, quitando dele
qualquer responsabilidade sobre o imbróglio. Concentrou sua atenção
na cobrança dos devedores, ainda cogitando dar abatimentos, e
instaurou novas regras para a taxa futura, onerando muares e
pedestres, dos quais se coletava 40 Réis. Somente após alguma
rotatividade entre coletores de pedágio, conseguiu-se em 1840 um
acréscimo significativo nos rendimentos, sobrepassando os 3 Contos
de Réis e possibilitando relevante melhoria no caminho.
Transferência
Da Tributação
Começou-se a cobrar nos
pedágios, não apenas a taxa de uso, mas também os tributos sobre
as mercadorias, que antes eram muitas vezes sonegados pelos
comerciantes, quando do seu recebimento. Isso diminuiu sobremaneira a
sonegação, mas num primeiro momento não elevou tanto a arrecadação
no posto do Rio Do Pinto, pois os mais valiosos gêneros estavam
sendo transportados pelo Itupava. Porém, com o passar dos anos o
ganho financeiro aumentou bastante, alcançando no ano da emancipação
do Paraná a considerável quantia de 10 Contos De Réis.
Declínio
Comercial Definitivo
Passadas várias tentativas
infrutíferas de emancipação, e muitos anos de pagar altos tributos
a São Paulo com baixíssimos retornos, o Paraná finalmente
tornou-se uma província. E a primeira diligência do novo
presidente, Zacarias De Góis E Vasconcelos, foi chamar um engenheiro
para decidir dentre três caminhos de pedra, qual se transformaria na
primeira estrada carroçável. Falava-se que carecia de sentido a
emancipação política se depois disso não se melhorasse
significativamente a infraestrutura das comarcas, construindo
portanto a já tardia estrada.
A possibilidade de também trazer as
levas de imigrantes europeus, que começavam a povoar outras regiões,
foi mais uma motivação para o seu início. O Caminho Dos Ambrósios,
por levar ao porto de outra província (Embora também servisse
Guaratuba), e a Picada do Cristóvão, que era distante e tinha
outros fins, foram naturalmente desconsiderados para tal papel. A
causa do Arraial ter sido também descartado foi seu forte aclive, de
até 28º, idêntica razão pela
qual o parecer técnico surpreendeu a todos quando reprovou o
“favorito” Itupava. No Diário Da Tarde, de 1965, foi publicado
um texto antigo, uma carta do engenheiro Marino J. Chandler para o
conselheiro Bernardo Augusto Do Nascimento Araújo, relatando os
caminhos que percorreu. Esta sua opinião sobre o Arraial era ainda
prematura:
"Antes que eu principiasse os meus exames, empregando instrumentos, pareceu-me acertado fazer um reconhecimento preliminar das diversas estradas já construídas. Com este intuito fui à villa de S. José Dos Pinhais, tendo chegado a Cidade de Morretes pela estrada do Arraial. Este caminho, ainda frequentado, estando situado ao sul da Graciosa, é naturalmente o melhor, por causa da facilidade de transpôr as montanhas. A distância de Curityba a Antonina é de doze léguas e meia, e tem a vantagem de atravessar a villa de S. José e Morretes, e de proporcionar bons meios de transporte para ambos estes lugares, e suas imediações. A estrada acha-se de presente no mais deplorável estado: não se pode passar a cavallo por muitos logares, nos quaes o viajante se vê forçado a por pé em terra, a fim de deixar que seu animal melhor caminhe alliviado de carga, atravez das difficuldades que encontra. Entre os dois rios – Arraial e Fortuna – a estrada passa quasi meia légua pelo leito de córregos: o que é desagradável ao viajante em qualquer tempo; mas nas estações em que estes estão cheios ella torna-se realmente perigosa. A Serra Do Mar transpõe-se por meio de uma estrada soffrivelmente bem collocada, e calçada pela maior parte; mas construida de tal modo, que é simplesmente um conducto às águas das copiosas chuvas. Quando alli passei, vi-me forçado a caminhar a pé por toda a extensão das montanhas; e minha passagem foi por um corrego originado pelas aguas pluviaes."
Depois das medições, acabou sendo eleito o Caminho Da Graciosa como primeira estrada dessa natureza no
Paraná, e segunda no Brasil, sendo precedida pela meritória Calçada
Do Lorena, entre São Paulo e a Baixada Santista. Transcorreram mais
anos de dificuldade nas obras da Graciosa, e ulteriormente noutro
fantástico e inovador feito da engenharia: a Estrada de ferro
Curitiba – Paranaguá (a qual cruza duas vezes o Itupava).
Consequência de tudo isso para o Arraial foi o término gradativo
da sua utilidade, vindo a repousar esquecido por décadas.
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Trechos
do jornal O Dezenove De Dezembro (1894 – 1890) com menções ao
Caminho Do Arraial, separados por diversos contextos: 1
– “Cobre-se da Província de São Paulo”. 2
– Escravo fugido. 3
– Provavelmente se refira outro Arraial, o Queimado. 4
– Guaratuba? 5
– A família Pereira ainda habita a região. 6
– O mau estado da estrada cobra vidas de animais. 7
– Trânsito quase inviabilizado. 8
– Donos de engenhos é que devem pagar. 9
– Superfaturamento. 10
– Fim do cargo de escrivão. 11
– Engenheiro Rebouças. 12
– Dinheiro do pedágio do Arraial indo para a Graciosa. 13
– Só ricos conseguiam mandar tropas por estrada tão deteriorada.
14
– Só construindo um caminho inteiramente novo... 15
– Inviabilidade de duas barreiras.
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Tempo
Depois
Em 1898, o Arraial já estava em seus últimos estertores. O seguinte artigo do jornal "O Município", e a resposta que logo receberam de um leitor, dão a exata ideia da situação na época:
"Está ao alcance de todos como verdade incontestavel que um dos elementos que mais concorrem para o desenvolvimento e progresso material, quer de um Estado em geral, quer das localidades entre si, é a abertura e conservação real das estradas, a fim de facilitar a permuta das mercadorias ou o commercio. Em nosso Estado, cujas proverbiaes riquezas naturaes só esperam para irromperem, quaes prodigiosas catadupas, o influxo benefico do patriotismo d'aquelles em cujas mãos foram entregues os seus destinos, muito n'esse ramo importante do serviço publico, está por fazer. Si nem sempre devido ao ruinoso estado financeiro do Paraná, devemos emprehender a abertura de novas vias de communicação, comquanto esses sacrificios, uma vez que aos respectivos trabalhos preside o necessario criterio; sejam momentaneos e de fecundos resultados em futuro não remoto, é um dever inilludivel conservar-se aquellas que nos foram legadas e que representam os patrioticos esforços dos nossos antepassados. Abandonar-se completamente uma estrada pelo facto de ser a mesma pouco transitada, é um erro economico ao alcance da mais medíocre intelligencia, pois alem de perder-se totalmente a importancia despendida pelos cofres publicos com e respectiva construcção, crêa-se maior ou menor embaraço entre as localidades servidas pela mesma estrada. Neste caso acha-se a antiga estrada do Arraial – entre S. José e Morretes. É sabido que de S. José a Morretes pelo Arraial a distancia é de pouco mais de 7 leguas. Para o municipio dc S. José dos Pinhaes, cuja producção annual dc herva-matte é enorme, hoje que se pensa em beneficiar esses productos em Morretes, Porto de Cima e Antonina, a execução d'esses pequenos melhoramentos na referida estrada seria de grandissima importancia. Sem entrarmos em minuciosas demonstrações a esse respeito, basta notarmos que hervaes importantes situados ás margens da referida estrada estão distantes da cidade de Morretes apenas 3 leguas. São, pois, intuitivas as vantagens resultantes do commercio directo entre essas localidades, para o seu desenvolvimento e progresso. Por outro lado, o gado em pé para abastecer as povoações do litoral e cujo transporte é feito, penosamente, pela Graciosa, que alem de não estar em bom estado de conservação não é tambem provida em suas margens de boas pastagens, passaria a ser transportado pelo Arraial, que alem da diminuição consideravel da distancia a percorrer. offerece em todo o seu percurso as melhores e mais abundantes pastagens e aguadas. Fazendo esta reclamação aos illustres Srs Drs. Governador do Estado e Secretário de Obras Públicas, cumprimos apenas o nosso dever de paranaense que aspira vêr o seu Estado próspero e feliz.”
Esta foi a resposta do leitor:
(...) Escreve nos o illustre cidadão: "Sr. Redactor. Com a epigraphe acima, li um artigo bem elaborado e opportuno, no conceituado «O Municipio» nº. 4, e cuja leitura suggerio-me a idéa de externar-me n'este assumpto. Como conhecedor d'essa estrada por onde muitas vezes tranzitei há mais de 40 annos e ainda até bem poucos dias, posso bem patentear ao publico as conveniencias de sua restauração. A cessação d'aquella estrada, sem motivo plausível, a meu ver, prejudicou gravemete os importantes municipios de S José Dos Pinhaes, Morretes e parte do da Lapa; sem fallar nos prejuizos indirectos mesmo ao Estado. A parte da estrada, em matto entre S. José e Anhaia tem, no maximo, só 3½ legoas aproximadamente, a maior parte calçada é bem regular. Do Curralinho a S. José é campo e ja possue estrada de rodagem. Em toda estrada não há nenhuma ponte e nem rios que d'ellas precisem e obstem o transito mesmo em tempo chuvoso. Toda a zona de mato é herveira, isto é, tem ílex-matte e, metade desses mattos são excellentes para cultura e o mais é coberto de ricas pastagens. A sua reabertura importa em pouca despesa. como bem disse o articulista a que me referi e Sei ainda que os habitantes de S. José e Morretes concorrem com valiosos auxílios para sua restauração. Havendo, por tanto, quem tome a iniciativa, com um pequeno auxilio do Estado, em pouco tempo teremos aberta essa importante estrada, uma das primeiras do Estado. Estamos certos que Curityba não se opporá á realisação desse desideratum como fez com referencia a vereda da via-ferrea. Ella tem já, e de sóbra, elementos fecundos para seu progresso e desenvolvimento. O patriotismo manda que sejamos destituídos de egoismo. Com a prosperidade d'aquellas localidades, Curityba tem muito a ganhar e nada a perder. Assim como o articulista a quem me referi, quem escreve estas linhas põe sua boa vontade e prestígio a disposição desse incalculável melhoramento; assim também temos: Desde São José dos pinhaes até Morretes homens bem dispostos e que já tem manifestado suas boas vontades a respeito. Curityba, 22 de Maio de 1898 – I. M. D.”
O futuro e as
transformações do século XX vieram a cobrar seu preço, quando
após muitos anos a Estrada Da Graciosa acabou sobrecarregada
em face das enormes demandas
de transporte e deslocamento do estado. Construída a então moderna
rodovia BR-277 no lado oposto da “garganta” por onde passa o
Arraial, havia coincidido e suplantado o traçado do caminho em breve
trecho do planalto. Em 1965, uma nota em outro jornal mostrava a expedição que seria feita ao Arraial, já com motivação arqueológica.
“Estudantes farão uma expedição à estrada do Arraial – Objetivando colaborar com o DER que está fazendo um histórico de todas as estradas antigas do Paraná, um grupo de estudantes de Curitiba promoverá na próxima sexta-feira uma expedição pela estrada do Arraial. (…) A expedição denominada “Professor José Loureiro”, em homenagem àquele arqueologista, é composta de seus elementos que são: Nelson Luiz Alves, Plínio Carvalho, Orlando Sálvaro, José Humpreys, Darcy Boosch e Francisco Carlos. No trajeto, os mesmos colherão dados sobre as possibilidades turísticas daquela estrada, usando para isso diversos processos. Também o museu de Paranaguá interessou-se pela expedição, pedindo dados sôbre o achado de objetos de valor histórico que, caso sejam achados, serão doados ao museu. A fim de facilitar o serviço da expedição, diversas firmas comerciais de Curitiba estão colaborando na doação de aparelhos indispensáveis, que serão usados durante uma semana, período durante o qual a expedição levará para chegar a Morretes. Também o exército local colaborou, cedendo barracas e apetrechos diversos.”
A verdadeira
'tragédia' para o Arraial aconteceu quando nos anos 70 a Petrobras implantou
um oleoduto ligando a
refinaria de Araucária a Paranaguá, arrasando bom trecho
remanescente do calçamento, no início da descida. Era a vontade do
governo militar, e ninguém podia se opor. Outro pequeno impacto
houve na criação das
linhas de transmissão de energia elétrica para o litoral, que como
se vê do satélite, formam um feio corte duplo em meio a
tranquilidade da floresta.
Sabe-se que no presente
momento uma empresa pleiteia o licenciamento de um novo gasoduto -
uma continuação daquele que vem do norte do estado até Curitiba -
e que seria simplesmente um golpe de misericórdia contra o Arraial.
A secretaria de cultura, mesmo temendo que o poder político e o
dinheiro passem por cima de suas atribuições, tem conseguido barrar
o projeto na forma em que está, exigindo então que se elabore um
novo plano, cujos estudos demonstrem não deteriorar o sítio
arqueológico. Assim mesmo, onde quer que se construa, será mais uma
aberração a ferir a mata atlântica. Há alguns anos, uma ONG de
São José andou adentrando o caminho para limpá-lo, demonstrando
que eram grandes entusiastas da sua reabertura, mas foi algo que não
continuou.
Não podemos deixar de mencionar uma última citação do Diário Da Tarde, em um curto texto que resume bem o sentimento sobre tudo o que se expôs até aqui:
“Como passam os homens, desaparecem também os locais onde êles desenvolveram suas ações, e hoje numa descida de fim de semana para o litoral, viajando em largos trechos pela estrada do Arraial, ninguém repara num riozinho que serpenteia serra-abaixo e que se chama Rio Do Pinto. Somente os historiadores do Paraná – tão pouco valorizados! – detêm o carro e fazem excursões localizando sítios, ribeirões e locais históricos como o Pilão De Pedra ou o porto do Padre Veiga. Somente o estudo tira do efêmero da vida humana a perenidade da história, embora seja sempre fascinante descobrir como os nossos antecedentes viveram, amaram e morreram nesses arredores de Curitiba, nossa querida!”
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Texto muito bem organizado. Sugiro adicionar fontes. abraços continue escrevendo.
ResponderExcluirObrigado pela visita, Xiru.
ExcluirPara obter essas informações, usei principalmente o livro Caminhos Das Comarcas de Curitiba e Paranaguá, de Júlio Moreira Estrela, que por sua vez baseou-se nos livros "Memória Histórica, Cronológica, Topográfica e Descritiva da Vila de Morretes e de Porto Real, vulgarmente Porto de Cima" e "Memória Histórica da cidade de Paranaguá e seu município", do Vieira Dos Santos. Também li parte de "A Conquista Da Serra Do Mar, de Rubens Roberto Habitzheuer.
Tenho me dedicado a procura por cachoeiras desconhecidas ou pouco conhecidas, por isso não pude até agora escrever páginas sobre os demais caminhos coloniais do Paraná, que era meu objetivo; mas espero retomar as pesquisas em breve, porque já diviso oportunidade.
Pode procurar pelo nosso grupo de trilha no Facebook, Bromado Expedições, para futura informação.
Impressionante seu texto e sua persistência....quero muito passar pela parte onde fica o beneficiamento da erva mate.....será que ainda tem acesso? ....seria muito bom ppder pesquisar lá em parceria com algum órgão ou museu.....poderíamos levantar im pouco das histórias e costumes locais na época através de detectores de metais.....seria muito emocionante....se conseguir ver esse post e responder no e mail seria muito legal e promissor....
ResponderExcluirObrigado. Me deixe seu número, e posso te sugerir um lugar talvez ainda mais promissor para estudos dessa natureza.
ExcluirMuito interessante seu relato, costumo fazer o Caminho do Itupava, que descobri quando estava fazendo supletivo de segundo grau. A professora de biologia pediu um trabalho sobre a mata atlântica. Fui numa Loja do cebo e comprei uma revista que tinha na capa em destaque "Em busca da trilha perdida" essa trilha começava em S.José dos Pinhais e cruzava a BR 277. Mas que ela passa por propriedades particulares que não era permitida a entrada. Fiz meu trabalho baseado na revista. Na apresentação em sala um outro aluno me falou sobre a Itupava. Isso foi em 2003. De lá pra cá começamos a fazer a trilha do Itupava todos os anos. Eu meu filho e alguns amigos. Iamos pelo menos uma vez por ano. Hoje meu filho tem um grupo de trilheiros. Já tive curiosidade de conhecer essa trilha perdida mas achei arriscado. Se perder na mata não é bom.
ResponderExcluirBoa tarde. Bora fazer o trajeto original. 41998962558
ResponderExcluirBoa tarde. O trecho que ainda não conheço deve estar bem fechado. Pra gente se animar de bater um facão por lá, demora um tempinho ainda...
ExcluirFala Jean, a gente esteve conectado na época que eu tinha face. Tenho mó interesse de fazer essa parada aí, e até levar uma tesoura boa pra varar mato. Moro em Sampa há 13 anos, mas sou de Curitiba, e já fiz, além do conhecidíssimo Itupava, uns trechos do Caminho Colonial da Graciosa. Mas, estranhamente, do Caminho da Graciosa, só se ouve falar no livro que Fiori e cia publicaram em 2007.
ResponderExcluir(11)99123-4377
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