sexta-feira, 8 de maio de 2020

Um Antigo Projeto Da Estrada De Ferro Curitiba – Paranaguá


No rico acervo de mapas da Biblioteca Nacional, encontra-se um suposto projeto do século XIX para a estrada de ferro da Serra Do Mar paranaense, um tanto diferente de como a conhecemos hoje. Consta no campo da data aproximada apenas "1880?", porém faz mais sentido que tenha sido feito alguns anos antes.

Não lembra os traços típicos de Nanquim de outros esboços no mesmo período, como o do Barão De Teffé, onde inclusive a ferrovia figurava como "projetada"; e sim lembra um desenho com canetas não tão antigas, sobre uma tela de textura áspera.

Ampliar e aumentar o contraste sobre algumas partes suas é algo que nos possibilita jogar luz sobre uma meia dúzia de detalhes interessantes, como de há muito quiséramos fazer com diversos mapas de antanho, e será este apenas o primeiro deles.

O sistema Fell, como aparece no cabeçalho, foi desenvolvido pelo engenheiro britânico John Barraclough Fell para uso em ferrovias muito inclinadas, e consistia na inclusão de um terceiro trilho, central, que seria usado tanto para tração como para frenagem. Testado pela primeira vez em 1863, foi implantado em algumas estradas de ferro serranas pelo mundo, uma delas no estado do Rio De Janeiro. Ao longo do tempo foi sendo substituído nesses lugares, em razão da dificuldade da sua manutenção.


Na ferrovia Curitiba – Paranaguá houve mudanças de trajeto tempo depois da construção, restando por exemplo um antigo túnel que não se usa mais. Então é difícil saber o que realmente coincidia do projeto desse mapa com a obra de fato executada nos anos 1880.

Ferrovia e Caminho Do Itupava

Adiante da Casa Do Ipiranga, o trajeto atual acompanha quase exatamente a 'ponta' do rio de mesmo nome, para fazer uma volta lá na frente, enquanto no mapa essa curva seria cortada bem antes; aproveitando por ser um sistema que permitiria maior inclinação. Nas imagens do Google Earth, retrocedendo o mais possível, ainda não se vê no local do suposto atalho nada além de floresta, como se estivesse intocado. Porém na imagem aérea de 1980 sim, aparecem claramente sinais de intervenção.


O traçado segue sem cruzar em nenhum momento o rio Ipiranga; está continuamente tão para dentro da margem direita que chega a transpassar a 'Estrada' do Itupava. O que viria a ser construído foi, no entanto, um caminho que cruza duas vezes esse rio.

Vê-se no mapa mais 3 nomes de cursos d'água que até então imaginaria sem batismo; num dos quais inclusive existe cachoeira. São estes nomes: "Farinha Seca", "Itororó", e outro de leitura mais duvidosa, que parece algo como "Guariacoco"(?)


A longa curva no local que diz "Monte Christo" não existe, foi abreviada por um túnel.


Ribeirão Do Cadeado e Córrego da Barreira são duas outras denominações que desconhecia, as quais correspondem respectivamente aos lados esquerdo e direito da descida mais forte do Caminho Do Itupava.


Provavelmente o "Rio Sabiacaba" é o que hoje chamamos Taquaral. E o "Água Do Passo" pode ser algum outro afluente vindo do Marumbi.
O mais curioso é que esse projeto fazia a ferrovia seguir para o meio do Porto De Cima, via Prainhas, com muito menos curvas do que hoje. Por ende, ela perderia altitude de forma bem menos gradativa.


Seria esse projeto autêntico? Qual sua data real? Quem foi seu autor?


quarta-feira, 15 de janeiro de 2020

Poço Das Andorinhas


"Duas rochas gigantes, uma mais esférica e outra achatada, que seguram entre si uma terceira, tanto menor, junto à qual jorra forte a água de um rio sobre um poço de leve tom esverdeado. Arenoso, mas ainda atrativo. E atrás da torrente, um espaço sombreado como uma gruta, habitada ao menos por uma ave." Assim se esboça a primeira das cachoeiras de um rio difícil de descrever, localizado em Paranaguá, entre o Bairro Morro Inglês e a Colônia Santa Cruz. Esta, por sua vez, foi a que lhe cedeu o nome.

Três são os cursos d'água que, descendo da Serra Da Prata, unem-se para forma-lo, sem que possamos asseverar qual deles é o principal, e quais são os afluentes. Um morador mencionara outros nomes, mas como não temos certeza de que se refere e estes, seguimos chamando apenas como "Rio Santa Cruz Da Direita", ou Do Meio, ou Da Esquerda, como fazem as demais pessoas que lá conhecêramos.


No rio da direita existem duas cachoeiras – a mais de baixo que é o Poço Das Andorinhas; uma outra mais acima, e ainda uma cascata menor, mais adiante. No do meio também existe uma queda pequena; e no rio da esquerda visitamos uma cachoeira cujo acesso mais fácil é pelo sul, pela Colônia. A entrada por onde começou nossa investida é a oposta, a do Morro Inglês. Temos notícia de mais uma queda d'água, de médio porte, que ignoramos se pertence ao rio do meio ou o da esquerda. Tudo ficará mais claro no mapa a seguir.



Semanas antes, estivemos numa chácara buscando a trilha para certo lugar, cuja entrada erramos e acabamos perdendo o dia. De volta à base, o morador disse-nos que o caminho que deveríamos ter tomado cruzava o Santa Cruz Da Direita bem à altura de uma queda d'água. Pela da distância que descreveu, não podia ser a mesma que eu vira na imagem de satélite tempos atrás, mas cachoeira é pra nós igual dinheiro: não se recusa; então uma hora ou outra voltaríamos ali.

A ideia seria tentar ambas no mesmo dia; se uma não valesse a pena, a outra sim. O problema é que pra chegar na de baixo, aparentemente teríamos que dar a volta e entrar pelo desconhecido acesso de baixo. A ida à cascatinha de cima foi tranquila, bem como o morador contou; só que ela era pequena, não uma queda direta, mas em degraus, que talvez num tempo mais chuvoso até virem torrente única.

Cascatinha de cima do Santa Cruz da direita

De volta à casa do início, ainda faltava andar até o carro, pois ele não aguentara subir até ali. Se ao chegarmos na colônia, os moradores não nos permitissem passar, nosso proveito do dia teria sido muito pouco. Mas tínhamos uma carta na manga, um elemento novo que nos facilitou o planejamento, e que mais vezes será citado aqui no blog, pela grande utilidade.

Em 1980 o governo do Paraná contratou um levantamento fotográfico aéreo do estado inteiro, que embora fosse em preto e branco, tinha boa precisão, com a mesma escala de cartas topográficas, tendo inclusive embasado a elaboração ou atualização das existentes na época. O governo de Santa Catarina, por exemplo, encomendou esse tipo de serviço mais recentemente, e suas imagens são simplesmente as mais nítidas que já vi com esse fim.


Usar as fotos antigas do Google Earth é coisa bem comum em planejamento de exploratórias, não só porque há mais possibilidade de descobrir locais agora encobertos nas fotos atuais, como ainda para ver estradas que já não existem, e que viraram trilha. Pena que, retrocedendo nas fotos da Serra Do Mar, o mais distante que se chega é o ano de 2001. Dispor de informações de 21 anos antes, através do site do ITCG – onde estão guardados os arquivos de 1980 – é uma oportunidade de comparar muitas coisas. Entre elas um antigo caminho, desde as chácaras até a parte do rio que nos interessava, sem ter que fazer volta de carro. Nessa direção, numa casa adiante deram-nos informação de que a trilha ainda existia, embora bem mais fechada, com risco 'aleatório' de estar repleta de carrapatos.


O senhor que mora nessa outra casa também nos recebeu bem e contou ter descuidado um único carrapato escondido em sua nuca, cuja picada teve graves consequências, deixando-o no hospital. O período de incubação para uma febre maculosa inexistiu em sua narrativa, razão pela qual supusemos que padeceu de algo diferente. A sorte ajudou a que não pegássemos nenhum naquele dia; talvez porque na minha ida anterior a esse bairro, eu já tivesse "coletado" todos.


São 950m de trilha desde o fim da estrada até o rio, passando rente à soturna ruína de uma casa onde não imediatamente encontramos a continuidade do caminho. A cachoeira se localiza à esquerda do ponto em que chegamos no leito, e concluí que ela também não era a que foi vista do satélite, pois estávamos mais abaixo. No topo dessa que chamam Poço Das Andorinhas, não se achava jeito de descer; ficou bastante difícil porque a lateral esquerda era de pedras muito altas, e a direita tinha um capinzal que não nos deixaria ver onde pisar.

Decidi que voltaríamos à entrada da mesma trilha por onde chegamos, e tentaríamos descer mais internamente, pela mesma margem. Foi a decisão correta, só que descemos um tanto a mais e tivemos que subir por dentro do rio até chegar na base da queda. Era uma cachoeira diferente das outras; aquela água de cor verde clara, não comparável ainda ao Rio Araraquara, mas também era interessante.



O som agudo de uma ave que voava rápido para o fundo da gruta fez-nos entender o nome do lugar. A andorinha não gostou da nossa presença. Mas antes dela chegar, já tínhamos andado atrás da torrente e tiramos fotos. Depois de bastante tempo, quis achar alternativa para não voltar pelo mesmo trajeto, e sim por qualquer entrada mais curta para aquele barranco.

Deixei meus amigos um pouco mais no poço e fui 'batalhar' no mato até achar o estreito vestígio da única passagem segura. Chamei-os, e subimos. De fato cortava uma boa distância, e foi melhor descobri-lo na volta, porque na ida seria o tipo de lugar perigoso para se investigar de cima pra baixo.

Intuí mais ou menos como seria uma próxima investida, buscando então a cachoeira que faltava. Tanto ela, quanto o rio da esquerda e o do meio serão o tema do artigo seguinte.