O
Cume Do Morro 2
Ao
cabo de 15 dias, pela primeira vez tive parceiros otimistas o
bastante para não cancelarem uma trilha em face a uma manhã de
garoa. Por sorte ela cessou antes de chegarmos, deixando apenas um
véu de nuvens que não frustraria o passeio, embora nos furtasse a
vista.
No
mesmo acesso do Morro 3 é possível deixar o carro, pois a estrada
encontra logo uma porteira desde a qual já é Fazenda Turbay; (este
nome está indicado numa das placas do início). Há umas poucas
casas dentro da propriedade, que aparenta mais ser de lazer em vez de
produção; e assim como na fazenda anterior, também são tolerados
os visitantes. Passa-se pela porteirinha lateral – de pedestres –
e segue-se pela estrada, mas não até a última porteira, porque lá
já pertence ao reflorestamento Madrigal. "Certa mágoa" guardamos desta empresa.
Os
pinus começam a aumentar na paisagem, apesar de ela ser melhor
permeada por mata nativa do que em outros municípios. 990m depois da
porteira, toma-se a direita num caminho que já foi estrada, e ali
eram descidas as toras. Andando por ele, quase não há equívocos;
sendo o mais relevante um córrego sem ponte, onde é melhor molhar
as botas do que saltar entre as margens. Anos passaram, e a erosão
nalguns trechos da antiga via foi tão violenta que os sulcos hoje
existentes superam 2m de profundidade. Já nos 1430m de altitude
aparece entrada para a direita; um caminho curvo até a clareira do
cume, o qual marca 1456m (contra os 1434m mostrados pelo Google
Earth).
Parte
da descrição seguinte deve-se à nossa 2ª visita, porque na 1ª só
enxergamos neblina. Os arbustos em torno do topo são altos e de
qualquer forma limitariam um pouco a paisagem; a não ser pelo Morro
3, que visto dali parece bem mais gracioso que da base. Para o lado
oposto, o que se espia é um esboço do maravilhoso cenário
descortinado desde as cristas à frente, nas quais só pisaríamos
semanas depois. Alguns morros são assim mesmo, têm melhores
mirantes fora do cume do que nele próprio. E se antes o caseiro do 3
disse a nós que o visual do 2 era menos interessante, deve-se
provavelmente a que ele só conheça o percurso até a clareira.
Descoberta
Das Cristas E A Constatação Do Morro 4
Vestígios
de trilha e o fim da estrada eram tudo que sabíamos existir depois
da bifurcação para o cume. E não mais que uma borda com vista
estratégica para o 1 esperávamos encontrar na nossa 2ª visita,
quase “acidental” ao morro 2, (ensaiando talvez um ataque ao
objetivo maior). Mas o que vimos ao entrar pela esquerda e descer por
uns 300m foram (inicialmente) duas ondulações, oblíquas ao
caminho, descampadas no topo e separadas por uma faixa de mata.
Daquele
ínterim, o Morro Da Bocaina já mostra toda a sua graça, chega a
lembrar de longe o Pico Paraná, com os outros topinhos parecendo o
Camelos. Quanto mais descíamos pela 1ª crista, melhor era a vista
para ele, e mais profunda era a separação entre ela e a 2ª. Ali
também fomos, contornando a grande fenda pelo caminho principal, e
entrando novamente à direita até chegar em cima. Só então
descobrimos que eram 3 e não duas as cristas, pois logo enxergamos a
última.
Tudo
lá ainda pertence ao morro 2, e embora fendidos, seus relevos
compõem um mesmo bloco. Entretanto de lá atestamos a existência de
um outro maciço, mais baixo e de certa forma abrupto,
suficientemente separado do 1 e do 2 para ser numerado como “Morro
4”; conforme os 1348m de altitude indicados pelo Google. Outra
suspeita nossa aproximou-se da confirmação, quando ouvimos não tão
longe o chiado de uma queda d'água entre os precipícios no começo
do Rio Passa Vinte.
O
abismo é bordejado por indícios de um caminho rumo à crista 3; mas
o vale que a antecede tem também alguma profundidade, sendo suave na
descida, e simplesmente terrível na subida oposta. Uma das causas é
certo musgo avermelhado que enfesta a escarpa, e sugere o tempo todo
que o chão despencará conosco junto. Chegar ali serviu para vermos
que o caminho completo de travessia da serra não era apenas um mito,
já que estávamos pisando nele; mas galgar o Morro 1 sem arriscar
tanto o grupo custar-nos-ia um raciocínio melhor.
Os
Dilemas Antes Da Conquista
O
"dia D" aproximava-se, mas antes disso teríamos que
enfrentar transtornos e dificuldades. Toda ou quase toda a base
noroeste/norte do Morro Da Bocaina pertence à Madrigal; e justo o
ponto ideal do nosso planejamento passava por ela, sendo que a
entrada não é autorizada. A face oposta, sudeste, é de floresta
densa com penhascos "violentos", os quais já notávamos
desde a passagem pela estrada do Passa Vinte, na ida à Cachoeira do Potunã.
Tínhamos menos referências visuais dele do que gostaríamos
para achar uma solução, e restaram a princípio duas opções,
sendo a 1ª delas o seguinte: Insistindo na travessia 2 – 1,
tentaríamos chegar mais por baixo à crista dos musgos, mesmo sem
vestígios de trilha, e desceríamos uma ladeira forte para depois
fustigar o facão na floresta do vale, ressurgindo dela pelo lado
oposto. Mas figurar a série de dificuldades que poderíamos
encontrar nesse trajeto, e como elas martirizariam o grupo, (além da
alta chance de um revés) fizeram-me quase descartar a ideia.
A
outra opção seria pelo norte, pela estrada que liga o bairro Ouro
Fino de Tunas ao Passa Vinte de Bocaiuva, percorrendo o desconhecido
Morro 5, cujo vale em direção ao 1 mostrava-se mais suave. Tudo o
que sabíamos dele é que se tratava de uma verdadeira linguiça, por
ser comprido, diferente dos demais; lembrando de longe uma chapada.
Mas tal acesso trouxe-nos grande frustração, demonstrando ser
intransitável (naquele então) para carros comuns, o que nos forçou
por duas vezes a abortar o plano e ir aproveitar o dia com outros
morros, um dos quais, o Maior Da Serra De Santana.
Se
reparariam ou não a estrada, ao ser perguntado, o sec. de obras de
Bocaiuva pouco pareceu se importar. Estávamos pois, diante da
possibilidade triste de desistir, já que tudo parecia lutar contra.
Por um motivo complicado, não podemos dizer exatamente qual escolha
fizemos; o que nos leva a suprimir parte da descrição, e relatar
direto do ponto onde iniciamos nosso ataque final ao morro, no dia 22
de Julho.
A
Vitória Da Expedição
Ao
fim de uma estrada rural nos 1200m de altitude, depois de uma boa
caminhada, tínhamos à nossa direita um barranco florestado de onde
o cume não era visível, mas já de longe o acompanhávamos.
Pinheiros ali existiam, mas não eram a maior parte da floresta, e
tanto o solo quanto a vegetação estavam algo ressecados pela
estiagem.
Esse
trecho não era tão íngreme, e conseguimos abrir sem facão; apenas
usei as luvas, e quem veio logo atrás fazia as "correções"
com um bastão. Saímos num topinho descampado de onde então
conseguimos ver bem todo o caminho faltante até o cume, mas
precisaríamos descer um pouco e passar por outra florestinha, essa
totalmente nativa, aparentemente mais densa. Para nossa surpresa, a
trilha ali existente estava até bem aberta, diferente dos vagos
vestígios que vínhamos vendo.
A
crista que escolhemos para caminho, e que delineamos no Google Earth
para ter como referência na nossa investida era um tanto óbvia; e
muito provavelmente quem quer que já tivesse subido aquele morro,
seja trilheiro ou morador da região, escolheria passar por ela.
Desde a saída das árvores, a picada quase se desvanece; e o que se
vê é uma longa subida para a esquerda. Isso porque o trajeto direto
seria quase impossível, uma vez que cruzaria outro valezinho
íngreme, (com subida final quase ereta). A caminhada vai ficando mais
lenta; tudo enrosca, tudo faz tropeçar; o capim grosso aberto com as
coxas vai cobrando aos poucos boa parte da reserva de energia.
Andávamos nesse ponto olhando para baixo, como para reforçar a
concentração na própria resiliência; inclusive no meu caso pelos
"repuxos" que sentia no peito em razão do cansaço.
Apenas
no vértice da crista é que se consegue passar com conforto para o
seguinte patamar. Pouco antes dali o Morro 5 já mostrava seus
contornos; é muito mais robusto do que parecia da estrada ou do
satélite. A linha divisória entre suas faces sudeste e noroeste é
menos retilínea do que imaginamos, e o lado florestado é um
verdadeiro paredão. Imagino como deva ser o cenário visto da
chácara que tão minúscula nos parecia do alto, a única daquela
região, onde antes teríamos pedido para deixar o carro se a estrada
não nos tivesse impedido na outra vez. Todo aquele lado, início da
bacia do Potunã, considero o mais bonito da paisagem que se tem
desde o Morro 1.
Passando
este topinho, cujas rochas ao fim da dura subida foram como poltronas
para o nosso descanso, há apenas um patamar antes do cume, com pouco
desnível. Embora esteja 1,2m abaixo dele, possui um marco geodésico;
e entre ambos topos encontra-se uma matinha que é contornada à
direita pela trilha. Mais alguns instantes, e enfim pisávamos aquele
solo a 1501,5m de altitude, comemorando com alarido o êxito de
tantas semanas de expectativa. O ponto culminante de toda a região
fora da Serra Do Mar, que momentos antes era apenas um nome numa
carta topográfica, bem pouco conhecido no círculo social do
nosso esporte, poderia então ser trazido a público nestes detalhes.
Notas Posteriores:
1
–
A
parte restante do relato da expedição de 56 encontra-se neste link: http://www.mediafire.com/view/6d8wr8a9eroiser/Segunda%20Parte%20Do%20Relato%20-%201956.jpg#
2
– Encontramos também o relato de Ermelino De Leão, de 1928:
http://www.mediafire.com/view/p59qauz2ff74lsi/Relato%20De%20Ermelino%20De%20Le%C3%A3o.jpg#
3
– No último fim de semana de agosto viemos a alcançar também o
cume do Morro 4:
http://caminhodoarraial.blogspot.com/2017/09/morro-4-da-serra-da-bocaina.html
<
<
4
– E em Setembro finalmente conseguimos visitar o Morro 5: http://caminhodoarraial.blogspot.com/2017/09/morro-5-da-serra-da-bocaina.html
5
– O Morro 3 também é chamado Morro Da Cruz ou Morro Do Cruzeiro. Infelizmente a serra vem sendo chamada de Cordilheira Secreta ou Serra Do Potunã, bem como o Morro 2 de Morro Da Sempre Viva, e o Morro Da Bocaina de Pico Potunã, não por uma liberalidade de se os batizar, mas pelo uso de termos próprios a fim de evitar concorrência à sua atividade ecoturística; uma vez que estes mesmos nomes não são encontráveis em outras fontes de pesquisa.
6 – Links
para os álbuns completos no Google Fotos: Morro Da Bocaina (84 fotos); Morro 2 (81 fotos); Morro 3 (99 fotos) e Cachoeira do Rio Bocaina (28 fotos).
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