Mostrando postagens com marcador Cachoeiras. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Cachoeiras. Mostrar todas as postagens

quarta-feira, 15 de janeiro de 2020

Poço Das Andorinhas


"Duas rochas gigantes, uma mais esférica e outra achatada, que seguram entre si uma terceira, tanto menor, junto à qual jorra forte a água de um rio sobre um poço de leve tom esverdeado. Arenoso, mas ainda atrativo. E atrás da torrente, um espaço sombreado como uma gruta, habitada ao menos por uma ave." Assim se esboça a primeira das cachoeiras de um rio difícil de descrever, localizado em Paranaguá, entre o Bairro Morro Inglês e a Colônia Santa Cruz. Esta, por sua vez, foi a que lhe cedeu o nome.

Três são os cursos d'água que, descendo da Serra Da Prata, unem-se para forma-lo, sem que possamos asseverar qual deles é o principal, e quais são os afluentes. Um morador mencionara outros nomes, mas como não temos certeza de que se refere e estes, seguimos chamando apenas como "Rio Santa Cruz Da Direita", ou Do Meio, ou Da Esquerda, como fazem as demais pessoas que lá conhecêramos.


No rio da direita existem duas cachoeiras – a mais de baixo que é o Poço Das Andorinhas; uma outra mais acima, e ainda uma cascata menor, mais adiante. No do meio também existe uma queda pequena; e no rio da esquerda visitamos uma cachoeira cujo acesso mais fácil é pelo sul, pela Colônia. A entrada por onde começou nossa investida é a oposta, a do Morro Inglês. Temos notícia de mais uma queda d'água, de médio porte, que ignoramos se pertence ao rio do meio ou o da esquerda. Tudo ficará mais claro no mapa a seguir.



Semanas antes, estivemos numa chácara buscando a trilha para certo lugar, cuja entrada erramos e acabamos perdendo o dia. De volta à base, o morador disse-nos que o caminho que deveríamos ter tomado cruzava o Santa Cruz Da Direita bem à altura de uma queda d'água. Pela da distância que descreveu, não podia ser a mesma que eu vira na imagem de satélite tempos atrás, mas cachoeira é pra nós igual dinheiro: não se recusa; então uma hora ou outra voltaríamos ali.

A ideia seria tentar ambas no mesmo dia; se uma não valesse a pena, a outra sim. O problema é que pra chegar na de baixo, aparentemente teríamos que dar a volta e entrar pelo desconhecido acesso de baixo. A ida à cascatinha de cima foi tranquila, bem como o morador contou; só que ela era pequena, não uma queda direta, mas em degraus, que talvez num tempo mais chuvoso até virem torrente única.

Cascatinha de cima do Santa Cruz da direita

De volta à casa do início, ainda faltava andar até o carro, pois ele não aguentara subir até ali. Se ao chegarmos na colônia, os moradores não nos permitissem passar, nosso proveito do dia teria sido muito pouco. Mas tínhamos uma carta na manga, um elemento novo que nos facilitou o planejamento, e que mais vezes será citado aqui no blog, pela grande utilidade.

Em 1980 o governo do Paraná contratou um levantamento fotográfico aéreo do estado inteiro, que embora fosse em preto e branco, tinha boa precisão, com a mesma escala de cartas topográficas, tendo inclusive embasado a elaboração ou atualização das existentes na época. O governo de Santa Catarina, por exemplo, encomendou esse tipo de serviço mais recentemente, e suas imagens são simplesmente as mais nítidas que já vi com esse fim.


Usar as fotos antigas do Google Earth é coisa bem comum em planejamento de exploratórias, não só porque há mais possibilidade de descobrir locais agora encobertos nas fotos atuais, como ainda para ver estradas que já não existem, e que viraram trilha. Pena que, retrocedendo nas fotos da Serra Do Mar, o mais distante que se chega é o ano de 2001. Dispor de informações de 21 anos antes, através do site do ITCG – onde estão guardados os arquivos de 1980 – é uma oportunidade de comparar muitas coisas. Entre elas um antigo caminho, desde as chácaras até a parte do rio que nos interessava, sem ter que fazer volta de carro. Nessa direção, numa casa adiante deram-nos informação de que a trilha ainda existia, embora bem mais fechada, com risco 'aleatório' de estar repleta de carrapatos.


O senhor que mora nessa outra casa também nos recebeu bem e contou ter descuidado um único carrapato escondido em sua nuca, cuja picada teve graves consequências, deixando-o no hospital. O período de incubação para uma febre maculosa inexistiu em sua narrativa, razão pela qual supusemos que padeceu de algo diferente. A sorte ajudou a que não pegássemos nenhum naquele dia; talvez porque na minha ida anterior a esse bairro, eu já tivesse "coletado" todos.


São 950m de trilha desde o fim da estrada até o rio, passando rente à soturna ruína de uma casa onde não imediatamente encontramos a continuidade do caminho. A cachoeira se localiza à esquerda do ponto em que chegamos no leito, e concluí que ela também não era a que foi vista do satélite, pois estávamos mais abaixo. No topo dessa que chamam Poço Das Andorinhas, não se achava jeito de descer; ficou bastante difícil porque a lateral esquerda era de pedras muito altas, e a direita tinha um capinzal que não nos deixaria ver onde pisar.

Decidi que voltaríamos à entrada da mesma trilha por onde chegamos, e tentaríamos descer mais internamente, pela mesma margem. Foi a decisão correta, só que descemos um tanto a mais e tivemos que subir por dentro do rio até chegar na base da queda. Era uma cachoeira diferente das outras; aquela água de cor verde clara, não comparável ainda ao Rio Araraquara, mas também era interessante.



O som agudo de uma ave que voava rápido para o fundo da gruta fez-nos entender o nome do lugar. A andorinha não gostou da nossa presença. Mas antes dela chegar, já tínhamos andado atrás da torrente e tiramos fotos. Depois de bastante tempo, quis achar alternativa para não voltar pelo mesmo trajeto, e sim por qualquer entrada mais curta para aquele barranco.

Deixei meus amigos um pouco mais no poço e fui 'batalhar' no mato até achar o estreito vestígio da única passagem segura. Chamei-os, e subimos. De fato cortava uma boa distância, e foi melhor descobri-lo na volta, porque na ida seria o tipo de lugar perigoso para se investigar de cima pra baixo.

Intuí mais ou menos como seria uma próxima investida, buscando então a cachoeira que faltava. Tanto ela, quanto o rio da esquerda e o do meio serão o tema do artigo seguinte.






quinta-feira, 18 de julho de 2019

Vulcão Santa María E Cataratas De La Igualdad


Ao longo de 82 artigos aqui expostos até hoje sobre vários lugares, manter uma narrativa realmente catalogadora, neutra e isenta foi algo que sempre se pretendeu. Descrever uma trilha segundo a cronologia da nossa própria visita é apenas um jeito de informar ou prevenir quem tenha interesse, para aquilo que de forma idêntica ou parecida encontrará. Excessos acontecem. Se por um lado pecamos em apresentar certas perspectivas pessoais para reforçar o aspecto emocionante de cada atrativo, por outro, tentamos não cair no fosso da banalidade, como relatos de trilha onde se detalha até o que cada um comeu, ou os assuntos triviais discutidos durante o percurso. A despeito da liberdade de quem escreve, seria de pouca utilidade para quem lê. Entretanto, falar pela 1ª vez de algo tão distante do leste do Paraná – foco deste blog – requer um pouco mais de licença à impessoalidade. Será, pois, uma exceção.


Numa noite de abril – primavera no hemisfério norte – ouvia a chuva bater na janela do quarto de hotel onde estava. Com uma previsão do tempo incerta, não seria estranha uma temperatura negativa na manhã seguinte, no cume que pretendia havia anos. Era o centro, a parte principal da viagem, e o clima poderia simplesmente estragar tudo. Parecia arriscado acordar cedo demais e ir esperar um ônibus antes do sol nascer, uma vez que mal conhecia Quetzaltenango; porém hoje até creio que seja mais segura que Curitiba. O chão molhado e um 'céu de chumbo' faziam lembrar alguns insucessos que já tivera. O ônibus para o bairro Llanos Del Pinal sai do Parque El Calvário, na 8ª Calle; passa por uma praça que é como um grande terminal, e percorre boa distância em direção à zona sul, onde está a área montanhosa. A passagem, como na maioria dos transportes da Guatemala, é muito barata.


Quetzaltenango é a 2ª maior cidade do país, tendo uma população do tamanho de Presidente Prudente – SP. O Vulcão Santa María (3772m) é o 4º mais alto da Guatemala, atrás do Tajumulco (4220m), Tacaná (4060m) e Acatenango (3976m). Não são montanhas brancas com neve, ao estilo "sorvetão", e sim uma recortada cordilheira verde que pertence ao círculo de fogo do pacífico, e constitui a porção mais elevada da América Central. Resultado de uma antiga erupção, a parte do Santa María oposta à trilha sofreu um enorme desmoronamento, e anos depois, uma nova cratera surgiu no lado destruído, passando a ser chamada Vulcão Santiaguito. Ele é mais baixo, porém fortemente ativo. O ponto final do ônibus que leva à base fica apenas a uma quadra das últimas casas do bairro – como um "Borda Do Campo" em relação ao Morro Anhangava.


Apesar de não ser tão turístico como os que circundam a capital, o Santa María é bem frequentado por pessoas da região; e foi mais fácil conseguir informações sobre ele com populares do que no escritório de turismo no centro da cidade. A moça que me atendeu dissera não saber como chegar à trilha de forma independente, então lhe prometi descrever posteriormente minha ida, caso desse tudo certo. Em locais assim, de qualquer região do mundo, a tendência é que enrolem o turista pra que contrate passeios pagos; e talvez eu não tivesse dado a ela o benefício da dúvida se não fosse tão bonita.


Na estradinha que precede a trilha do vulcão, tinha pela frente 4km de caminhada, com um desnível de mais de 1200m, o mesmo do Monte Garuva, por exemplo. O trajeto já iniciava nos 2500m de altitude, diferente de algumas montanhas da região onde o ganho é maior. Minha experiência acima dos 3000m, (anos antes em outro país) tinha sido horrível; representando mais um problema que poderia me fazer desistir na metade. Havia alguns dias que tomava vitamina b, recomendada para suportar grandes altitudes, e foi uma decisão muito acertada. É barata e funciona.


Chegando no último campo antes de adentrar a floresta, a continuação é pelo lado direito, e por toda a extensão, a trilha é bem aberta, sem grandes obstáculos. Quando senti as primeiras gotas de uma garoa, lembrei de certa notícia sobre três mortos por hipotermia no Vulcão Acatenango, um tempo atrás. Mas ela não continuou; e outro ânimo tive quando vi mais gente subindo a trilha. A floresta é em maior parte de pinheiros altos, e o solo alterna entre trechos de pedra e de terra úmida. Se chegasse a qualquer outro cume cheio de gente e sem nenhuma vista, por causa das nuvens, sentiria até arrependimento, mas não lá. Concluíra com êxito a subida, depois de tanto tempo de expectativa, estava no topo do Santa María. Somente ali senti uma pequena diferença ao respirar, por causa da altitude.


Era um lugar bem espaçoso, entre pedras grandes; e havia distintos grupos de trilheiros. Um deles fazia orações numa das várias línguas indígenas do país; e embora fossem cristãos, me surpreendeu que a forma do seu louvor remetia às mesmas tradições e idiossincrasias de um tempo remoto, onde adoravam outros deuses. A riqueza e a variedade da cultura guatemalteca não ficam devendo em nada para países muito maiores. Num grupo de americanos, pensando que eu fosse nativo, um deles perguntou-me em espanhol se eu tinha esperança de que as nuvens se abrissem um pouco, para que pudéssemos ver qualquer coisa. Respondi que sim, pois para um dos lados estava clareando bastante. Foi meio profético, porque em poucos minutos aconteceu o que mais esperávamos. Na direção da cidade e também do Vulcão Santo Tomás, o véu branco começou a se abrir e pudemos ver, senão todo o desejado, um bom espaço de paisagens bonitas.


CATARATAS DE LA IGUALDAD

Ter um dia de descanso para cada dia de trilha, numa viagem internacional, é um luxo que nem todos podem se dar. Ter encaixado em tão pouco tempo no roteiro o conhecido Vulcão Pacaya e o Lago Atitlán já havia sido mentalmente cansativo. O próximo passo era ir ao encontro da cachoeira mais alta da América Central (embora haja controvérsia com o Salto Chilascó). Como ao lado dela às vezes se formam outros fluxos, e também existe outra queda mais abaixo, o local é chamado no plural, de Cataratas De La Igualtad. No cansaço do dia anterior, não pude sair tão cedo, e fiz uma má economia indo a pé ao ponto de ônibus para San Marcos, quando na verdade um táxi teria sido providencial. Transporte por aplicativo, até aquele momento, só existia na Cidade Da Guatemala.


Os ônibus lá são um capítulo à parte. Modelos escolares americanos, com muitos anos de uso, que em algumas linhas (não todas) são conduzidos na velocidade máxima, com estrondosas buzinas de caminhão, fazem manobras bruscas para pegarem passageiros vistos 'em cima da hora', e levam gratuitamente muitos vendedores ambulantes. Estes por sua vez anunciam toda sorte de produtos até a exaustão da voz, pois não competem só com o som ambiente, mas também com a música nacional ou mexicana em alto volume, e com os cobradores que arriscam a vida gritando o itinerário com a porta aberta, e saltando do ônibus em movimento para auxiliarem os passageiros.


Apesar de tudo, o que vi foi um tipo de caos organizado, onde a dificuldade do dia a dia só é exequível através do respeito que procuram ter uns com os outros; e de uma noção de direitos e deveres que tanto faz falta no Brasil. Assentos feitos para comportarem 3 crianças comportam frequentemente 3 adultos, e o limite do espaço físico de cada um dá lugar a uma aceitação natural ao toque da pele. Senta-se uma jovem bonita ao lado de um homem, e não tem pudor ao pressiona-lo pelo balanço do ônibus, de tal modo que em nosso país, o contrário seria suspeito como assédio. Porque assim é o cotidiano. Vi pessoas que se ajudam, que não hesitam em informar quem precisa, e que colaboraram em tornar minha visita a melhor que já fizera a um país estrangeiro.


San Marcos é uma cidade bem menor que Quetzaltenango; se não me engano, o percurso demorou uma hora, e lá na rodoviária peguei outro ônibus para a localidade de San Pablo, onde tomaria uma van para seguir até perto da entrada do parque onde fica a cachoeira. Como a demanda por transporte público é maciça, a oferta também é; por isso se espera muito pouco por cada condução; diferente daqui onde cada vez mais pessoas têm carro, e a demanda por ônibus diminui. Um grande problema que tive foi de me locomover com a mochila e a mala, pois não retornaria à cidade anterior naquele dia. Depois da cachoeira, iria para o México, passar um dia na cidade de Tapachula e ver uma certa ruína.


Ao descer em San Pablo, praticamente me 'carregaram' para a van, e puseram minha mala na parte superior, com outros pertences de passageiros. Nunca na vida havia visto aquilo: Gente pendurada no lado direito, outros atrás, e dentro um aperto maior que no ônibus. Pensava em como uma van poderia levar tantas pessoas, e correr aquele risco numa longa subida por estrada de chão. Até serviço de entrega de comida o cobrador fazia, parando numa barraquinha de cachorro quente, e levando mais acima a uma moradora que o tinha encomendado. No ponto final, em meio a um bairro rural a mais de 6000km de casa, me vi num dilema com aquela mala que de forma alguma poderia carregar para a cachoeira, pois se o caminho não umedecesse tudo o que levava, a chuva da tarde poderia fazê-lo. Olhei então a primeira casa que estava aberta, e fiz uma aposta no escuro, de pedir a um homem que me a guardasse por um momento, até o meu retorno. Sua família e os passantes estranharam a situação, logo notaram que eu era estrangeiro, e gentilmente me fizeram aquele favor.


Problema resolvido, andei o trecho restante e paguei um valor barato pela entrada do parque. Um caminho calçado ao lado de um vale profundo leva, primeiramente, a um lugar de águas termais, com entrada paga à parte por quem queira visitar, e em seguida a trilha continua, em subida até a cachoeira maior. É linda, quase indescritível. O rio, que nasce no Vulcão Tajumulco, desce aquele paredão gigante; e naquele momento se avolumava com a chuva, quase formando uma cabeça d'água. O guarda chuva durou só o suficiente para proteger a câmera durante as fotos, e depois se estropiou. Voltei ensopado, mas satisfeito até a casa onde confiavelmente guardaram meus pertences, e segui de van até Malacatán. A segunda chuva, mais forte, encharcou o cobrador de um modo que até deu pena, conforme saía e voltava do veículo ajudando passageiros. Sem comer desde manhã, por questão de tempo, continuei viagem para o México, onde me esperava a pior entrevista migratória da vida, e cujo desenrolar da história estimo que já não seria interessante ao leitor.

quinta-feira, 23 de novembro de 2017

Cachoeira Do Rio Igreja


Quatro anos atrás, no afã de identificar um mínimo vestígio do traçado completo do Caminho Do Arraial em imagens de satélite, me surpreendeu como era possível distinguir mesmo de tão "longe" cachoeiras com o porte do Salto Da Fortuna, a qual foi minha primeira encontrada. Em retorno do Salto Do Sagrado (ou Das Crianças), também por curiosidade resolvi marcar a localização dele no Google Earth, quando em seguida, ao mover bem mais para dentro o mapa me deparei com um segundo risco branco. Logo vi que tinha achado mais uma cachoeira, com quase nenhuma chance de ter nome ou qualquer menção escrita.


Era um lugar ermo demais, no coração da floresta, pra lá da divisa com Guaratuba; e inicialmente pensei que morreria com a ilusão de conhecê-la. Ocorre que essa "brincadeira" de encontrar quedas d'água abriu um horizonte tão largo, que de certa forma contribuiu até para modificar o teor deste blog – cuja intenção primeira fora apenas tratar a história do Arraial, e hoje busca ser um útil sumário de trilhas raras. Numa carta topográfica do IBGE, constava aquele rio longínquo como um afluente do Igreja – por sua vez, tributário do Canavieiras – entretanto numa versão mais detalhada, refeita pela Mineropar, ficou claro que se tratava do próprio Igreja, o qual nasce ante o enorme paredão de pedra no pico de mesmo nome.


Ainda na atmosfera de ter andado um percurso inteiro dentro de um rio, como pude experimentar no impressionante Salto Canta Galo, surgiu a intuição de fazer o mesmo para chegar na inexplorada. E previ que assim seria, caso alguma vez conseguisse como parceiro alguém com carro e coragem bons o bastante para enfrentar a estradinha escabrosa que lá dava acesso. Outros projetos de trilha apareceram e se impuseram como prioridades, quais foram a Dupla (melhor cachoeira que conheci na vida), e uma outra que não gosto nem de lembrar o nome. Assim o tempo passava, e com a evolução nos conhecimentos aprendidos desde o Morro Da Pedra até a odisséia na Bocaina, vi quão preferível era andar pela floresta do que abraçando rochas rio acima por quilômetros.


Ao localizar uma chácara muito remota nas proximidades, e calculando que encurtaria nossa caminhada, tivemos então a primeira possibilidade real de alcançar o ponto do rio que nos interessava. Que nos desculpe o leitor, por mais essa vez que se rompe a forma impessoal característica das narrativas aqui, mas existe hoje um bom motivo. Esse artigo é especial não só pela raridade da conquista; mas também porque convido pela 1ª vez a minha amiga Wanele Riccetto para expor com suas próprias palavras o desenrolar do dia 14 de outubro; cujo relato a seguir será (alternadamente) diferenciado pela cor verde da escrita.

O dia 14 de Outubro de 2017 fora reservado para aquilo que eu considerava uma investida exploratória. Advindo de um aprazível convite do amigo Jean Di Santi, o qual conheci há cerca de 1 ano nas proximidades do morro Capivari Médio, localizado na carta topográfica Bairro Alto.

A ideia inicial era lotarmos o veículo do Antônio Sérgio, outro colega incumbido na aventura. Todavia, devido as condições climáticas desfavoráveis e demais casos fortuitos, outros colegas não abraçaram a causa e partimos apenas os três em direção a Morretes. No trajeto, trocamos típicas figurinhas de montanhistas, caminhantes ou trilheiros, como se queira definir. O assunto girava em torno de tudo aquilo que os pés podem alcançar e o coração almejar, como montanhas poucos frequentadas e lugares inóspitos no mapa.

O clima de “Indiana Jones” só veio à tona no momento em que pegamos a estradinha de chão em condições não muito transitáveis. Uma maratona contra buracos e pedras que poderiam danificar a parte inferior do veículo. Em dado momento, logo após atravessar o Rio Da Laje, notamos um barulho de peça batendo no chão: era o protetor de cárter da Ecosport do Antônio que havia se desprendido. A missão naquele momento, era utilizar a corda que o Jean carregava consigo, para prender a peça e prosseguir viagem.

Uma breve disputa entre homem e butuca se iniciou, onde um ajudava o outro espantando o bichinho sedento por sangue. Mas, como missão dada é missão cumprida, seguimos nossa aventura até chegar no ponto em que o Jean coletaria informações com moradores locais. Ledo engano, pois não havia uma alma viva nos casebres das redondezas.

A aventura deveria seguir então pelos prévios estudos da região e, também, pelo feeling dos envolvidos na empreitada. E assim, fomos rumo ao ponto de referência no mapa: uma velha casa desabrigada no meio do nada. A caminhada começou animada, porém com notada preocupação do Antônio devido as condições climáticas desfavoráveis. A previsão era de chuva e isso não seria muito convidativo para atravessar novamente o riacho.

Em dado momento, Antônio – o condutor na ocasião, resolveu voltar para não correr o risco de ficar ilhado com o carro. Decidimos, assim, que eu e o Jean continuaríamos na jornada, com o consentimento expresso do Antônio apostando todas suas fichas na nossa capacidade exploratória. E assim fomos, caminhando na maioria das vezes de forma silenciosa por entre a mata que nos observava de forma serena, sussurrando uma brisa em nossos ouvidos e, a cada novo passo, se estreitando em suas saliências.

Um pouco mais de 3km percorridos, chegamos finalmente em nosso ponto referencial. Resolvemos adentrar na casa abandonada e naquele exato momento, consegui sentir toda a vida que um dia habitara aquele lugar perdido no mundo. Uma pequena pausa para hidratação e fotos e, logo, a picada à esquerda nos convidava a seguir viagem num ambiente até então desconhecido dos olhos. O mato espaçado não ajudava muito na orientação, mas o Jean observava atentamente a localização em seu celular.

Ter encontrado abandonada a última casa tirou-nos já a preocupação de não ser permitida nossa entrada por eventuais moradores. O 2º risco era não existir sequer um vestígio de trilha para a cachoeira, apesar da proximidade. Mas logo ao chegar, já vi ao lado da casa, bem no ponto esperado, aquela entradinha “suspeita” que causou-nos alívio. Como é comum, à certa distancia, os indícios tornaram-se vagos demais, quase imaginários. A mata espaçada pode ser algo bom (nisso pensamos diferente) para quem está acostumado a andar fora de trilha; e considerando o pouco desnível do terreno, bastaria traçar uma linha na direção correta e andar, mesmo se apenas uma bússola nos guiasse, em vez do aplicativo.

Trabalhamos juntos para definir o melhor trajeto e evitar riscos desnecessários. Confesso que senti um certo receio, pois era a primeira vez que caminhava ao lado do Jean e não sabia o que nos aguardava. As chances de algo dar errado sempre existe e eu, definitivamente, não gostaria de virar estatística... O Jean comentava comigo de que existem onças naquela região. Eu olhava atentamente para todos os lados, com os ouvidos bem apurados e seguindo todas as instruções que ele me passava, caso avistasse o “bichinho”... Por sorte, somente os carrapatos faziam a festa com os novos visitantes!

Conseguimos navegar de forma satisfatória até ouvir o barulho da queda d'água. Sabíamos que a cachoeira estava próxima de nós, porém, existia uma certa dificuldade para encontrar a descida. Andamos um pouco adiante tentando achar a “reta final”, porém, tivemos que voltar pois não havia vestígios seguros para continuar. Uma pequena onda de negatividade pairou em minha cabeça: aquela sensação de confusão, do tempo correndo, da possibilidade de chuva, de não encontrar o caminho, enfim, a angústia da chegada obscura...

Não obstante todas essas sensações, continuei andando atenta e seguindo os conselhos que uma vez ouvi numa trilha: “Olhe sempre pra baixo, não procure fitas e marcações em árvores, mas sim o caminho”. E foi assim que, em certo momento, chamei o Jean que estava um pouco à minha frente e disse: “Olha Jean, ali parece ter uma entrada”. Ele prontamente voltou e seguimos aquela minha intuição. Os olhos já brilhavam e o coração disparava por avistar uma janela no meio da floresta. Faltava pouco, alguns passos somente, e o objetivo seria alcançado!

Lembrei da frase do Amyr Klink: “É preciso, antes de mais nada, querer”. E é assim mesmo, não existe obstáculo quando almejamos muito algo, nosso coração é nosso guia! Agradeço aos amigos Jean e Antonio, por mais uma página no livro de aventuras da minha vida!

O “enrosco” de fato era aquele final, como sempre, para achar o ponto correto de descida ao rio, que naquele caso poderia ser tanto pelas partes convexas, quanto pelas côncavas da barranca. Tentamos pela primeira, mas era íngreme demais. Quem nunca fez exploratória em rio não sabe a tensão que é tentar enxergar para baixo entre as matas, sem saber se naquele ponto pode-se ou não despencar. Não aceitaria um fracasso; sonhava com aquilo havia tempo suficiente, ademais não estava disposto a decepcionar a Wanele de forma alguma.


Ela mesma identificou o ponto melhor para descer, na parte côncava, como dito em sua narrativa; e isso foi crucial porque nos poupou bastante tempo. Vimos o primeiro “branco” da cachoeira por entre as folhas, e tenho certeza que a felicidade dela foi igual a minha. Sobre base rochosa, era uma queda d'água de médio porte, mas muito bonita, permitindo aproximação sem obstáculos para o banho. Nela só não nos estendemos mais, pelo receio da chuva, e por pensar em quem nos aguardava. Finalmente aquele risco branco perdido no mapa tinha se tornado uma realidade para nós.




quinta-feira, 16 de novembro de 2017

Cachoeira Da Barragem


Distante 4km do centro de Bocaiuva Do Sul, a Usina do Roncador, que foi um dia a única fonte de eletricidade do município, encontra-se há 40 anos inativa e depredada no pouco que resta das suas antigas estruturas. A queda d'água que movimentava as turbinas pertence ao Rio Capivari, em cujo trecho na verdade ainda é chamado Roncador, tendo recebido os afluentes Antinha, Mina e Água Comprida. Na carta topográfica de escala “1:250.000”, consta o local como Rio da Mina até o encontro com o Bacaetava, de Colombo, porém em se tratando de nomes, a tradição oral tende a prevalecer.


Foi-nos mostrada por alguém da UTFPR uma elogiável ideia de revitalização e reaproveitamento do potencial energético da usina, incluindo até um pequeno laboratório para ensino sobre o assunto. O que falta é dinheiro, especialmente para compra das novas turbinas. Sendo escassas até as fontes de informação sobre as muitas histórias que aquele ambiente deve ter, resta ao visitante desfrutar o atrativo da sua cachoeira.

Para quem chega de Curitiba, logo de passar o centro, pode tanto entrar à esquerda na PR-506 (que vai para Rio Branco) e depois entrar na primeira à direita (via em mau estado); quanto pode escolher a saída seguinte da Ribeira - que é um pouco mais longa.

Deixa-se o carro a pouca distância do topo da barragem, sobre a qual se pode andar e ver a pequena parte de queda artificial acima da cascata verdadeira. Pelo lado esquerdo de quem chega, inicia uma trilha curta e lisa, mas não muito arriscada, que chega na frente do poço. Ele é largo, o caminho contorna-o, e parece haver outra trilha vinda das casas próximas.


O jorro d'água ora lembra um “x”, pela forma como se estreita, e também parece um pouco com a Cachoeira Quintilha, de Paranaguá, só que menor. Levando em conta a facilidade e a localização, vimos poucos vestígios ruins, não mais que uma ou duas latinhas jogadas no mato. Não só pelo frio foi que evitamos entrar no poço aquele dia. Há um grande orifício oculto na base da torrente, e dizem os locais que várias pessoas já morrerem nele quando abusam em nadar muito perto; de tal sorte que nem mergulhadores recuperaram os corpos. Pelo menos assim nos contaram.


Nota posterior: Para informações sobre o projeto de revitalização da usina, é favor escrever para: waltersanchez@utfpr.edu.br.

sábado, 4 de novembro de 2017

Cachoeiras Do Rio Massaroca


Quase junto à divisa de Rio Branco do Sul com Bocaiuva, na bacia do Rio Santana, nasce um afluente que corre de leste para oeste entre colinas não tão distantes do Morro Campina Dos Rosas. Ouvimos menção ao que lá existe de mais bonito enquanto conhecíamos a cascatinha de um certo rio próximo; lugar aquele onde todos disseram não haver cachoeira maior, porém tínhamos tanta esperança, que ainda me é difícil resignar. O acesso ao Massaroca passa pela estrada do Bacaetava, desde a qual um desinformado pode nem notar que já saiu de Colombo e entrou noutro município. Ali buscávamos a cachoeira que nos sugeriram, em seguida de ter visitado a do Roncador; e previmos que ambos passeios se complementariam muito bem.


Deixamos o carro e viemos procurando uma entrada de trilha, que estava a 415m do cruzamento com o rio – um bom tanto adiante de onde imaginei. Sendo uma das mais curtas já descritas aqui, esta picada é bem íngreme e lisa, mas não tivemos problema em descer. A cachoeira que encontramos não era muito alta; jorrava sobre um poço largo e não tão profundo, estando bem sombreada no fundo daquele vale. Ela sozinha já teria valido a pena.


Vimos um vestígio de trilha à sua esquerda, e ali já comecei a desconfiar. De volta à estrada, a intuição aumentou, e seguimos mais alguns metros à montante do rio procurando outra trilha que descesse. Logo notamos que o barulho d'água não vinha mais da queda anterior, e sim de um ponto acima. Achamos uma picada ainda mais declive e curta, que nos levou até a cachoeira maior, a qual apelidamos de "1".


Era mais perto chegar no seu topo do que na base, passando por uma pedra não tão confiável onde esticamos a corda (só para garantir) e chegamos no pocinho superior, defronte a outra cascatinha mais baixa. Depois descemos até a base da maior e vimos a ponta de trilha que subia da cachoeira 2, onde primeiro estivemos. A 1 é bem ampla, e o branco da sua água formava um bonito contraste com as rochas bem escuras.

 

O rio vizinho ainda estava nos planos daquele dia, mesmo que a visita  servisse como um "tira-teima" confirmando a inexistência de cachoeira; porém uma valetinha ao lado da estrada de acesso veio a nos causar uma "pequena calamidade", custando o resto da tarde até acharmos ajuda para tirar o carro de lá. No entanto não saímos reclamando, porque a satisfação desse dia foi bem maior que os transtornos.


 
Cachoeira 2 Cachoeira 1

quarta-feira, 25 de outubro de 2017

Cachoeira Roncador E Mirante Da Colina


Dentre os 2 dilemas que existem na divulgação online ou impressa de cachoeiras desconhecidas (ou pouco conhecidas), um já foi citado neste blog, que é a questão da segurança. Quase despenquei na Cascata 1 do Rio Cari, meses atrás, quando buscava a Cascata 2. E se ela veio a ser descrita aqui foi unicamente porque o ponto perigoso era um só, ficando bem explicado como evita-lo. Mas o que fazer quando o problema não é o risco, e sim o comportamento destrutivo de uma parte das pessoas que visitam um ambiente? Atrativos próximos de áreas urbanas têm esse porém. A família que mora perto da cachoeira do Roncador, em Colombo, estava cansada de ter que recolher lixo e lidar com os transtornos da visitação aberta do local. Restringiram, e com razão.


Junto com a gruta do Bacaetava e o Morro da Cruz, é um dos lugares mais bonitos deste município, o qual muitas vezes é lembrado injustamente apenas pelos seus problemas. Omitindo dessa vez os detalhes de acesso – que podem ser encontrados noutras fontes – tratamos apenas de descrever a cachoeira e o mirante, compreendendo o leitor que pode ou não ter sua entrada permitida, caso decida visita-la.

"Pedra da vertigem" - Pela copa da araucária pode-se imaginar a altura...

Menos longe do centro, existia uma entrada anterior àquela que usamos; porém com placa proibindo a passagem e sem ninguém a quem se pudesse pedir autorização. 2 moradores a quem perguntamos do outro acesso pareciam fingir que desconheciam sua existência. Finalmente chegamos à casa indicada pelo mapa como o melhor local para início, e caso não tivesse trilha, restaria adentrar o mato como sempre. Mas a moça que nos atendeu deve ter tido uma intuição boa a nosso respeito, porque embora explicasse o motivo do lugar não ser liberado como antes, faria a nós uma exceção. Orientados, passamos para trás da grade que limitava o quintal, descendo logo por uma trilha curta e íngreme à beira da cerca até o rio, onde mais adiante atravessamos. Da margem oposta, mais uma picada chegava.

Bem antes dali, entre os 2 morros que cercam o bairro mais alto da cidade (o Campestre) ficam as nascentes do rio, que pertence à bacia do Ribeira.

Sempre vi Colombo como um município "morno", quase incipiente em relação à natureza, apesar do verde da sua área rural e de curtos trechos restantes de floresta primária. Mas no início da caminhada já senti aquelas características "selvagens" que tanto nos atraem em Rio Branco e Bocaiuva, por exemplo. O rio se mostrava cada vez mais "prensado" pelas barrancas verticais de ambos lados. Depois da 2ª travessia, a trilha passa por um ponto elevado, até que se avista a cachoeira. O caminho forma um "T" com outra trilha que vem de cima e se inclina bastante na descida final até a base. Para a direita, tratava-se da ida ao mirante que planejávamos conhecer depois dali.


Chegando na parte plana em frente ao poço, notamos que a queda não era tão pequena. A água do poço era de um marrom claro, como a das Gêmeas Gigantes de S. Francisco De Paula; não por sujeira, mas pelos sedimentos próprios daquele solo. Do lado oposto de onde chegamos vimos a ponta da trilha que vem do bairro ao lado. Ela passa por um estreito valezinho, único ponto possível entre os quase penhascos do entorno. Lemos em algum lugar que no meio do poço há uma abertura onde parte da água segue pelo subterrâneo, tornando o mergulho ali muito perigoso.


Novamente na trilha, começamos a subida para o mirante, esperando apenas uma boa vista para o lado norte – rumo à serrinha do Campina Dos Rosas. O que nos surpreendeu é que em tão pouco tempo já estávamos bem alto, sendo aquele um precipício ainda na borda do poço. Isso é que nos permitiu ter uma vista perfeita da cachoeira, e de mais dois jorros atrás dela; um cenário lindo. Seguimos pela trilha e alcançamos a esperada estradinha que nos levaria quase até o cimo naquele lado da colina. Nela tivemos exatamente a paisagem prevista, desde o Morro Do Rio Comprido até o Campina, bem como da Serra do Mar na direção leste. Expectativas superadas, mas ainda tínhamos ansiedade pelo que faltava desbravar naquele dia, as Cachoeiras Do Rio Massaroca.


Álbum completo no Google Fotos: https://photos.app.goo.gl/ECMePFH4CoFLI8RP2