Fotos, vídeos e eventualmente os relatos e tracklogs de quase todas as trilhas, exploratórias ou não, que empreendemos no leste do PR - ou outras regiões, conforme possível. Enfoque oposto à indústria do turismo, e voltado ao interesse do usufrutuário dos atrativos naturais. Blog vinculado ao canal JEANDISANTI no Youtube.
No rico acervo
de mapas da Biblioteca Nacional, encontra-se um suposto projeto do
século XIX para a estrada de ferro da Serra Do Mar paranaense, um
tanto diferente de como a conhecemos hoje. Consta no campo da data
aproximada apenas "1880?", porém faz mais sentido que
tenha sido feito alguns anos antes.
Não lembra os
traços típicos de Nanquim de outros esboços no mesmo período,
como o do Barão De Teffé, onde inclusive a ferrovia figurava como
"projetada"; e sim lembra um desenho com canetas não tão
antigas, sobre uma tela de textura áspera.
Ampliar e
aumentar o contraste sobre algumas partes suas é algo que nos
possibilita jogar luz sobre uma meia dúzia de detalhes
interessantes, como de há muito quiséramos fazer com diversos mapas
de antanho, e será este apenas o primeiro deles.
O sistema
Fell, como aparece no cabeçalho, foi desenvolvido pelo engenheiro
britânico John Barraclough Fell para uso em ferrovias muito
inclinadas, e consistia na inclusão de um terceiro trilho, central,
que seria usado tanto para tração como para frenagem. Testado pela
primeira vez em 1863, foi implantado em algumas estradas de ferro
serranas pelo mundo, uma delas no estado do Rio De Janeiro. Ao longo
do tempo foi sendo substituído nesses lugares, em razão da
dificuldade da sua manutenção.
Na ferrovia
Curitiba – Paranaguá houve mudanças de trajeto tempo depois da
construção, restando por exemplo um antigo túnel que não se usa
mais. Então é difícil saber o que realmente coincidia do projeto
desse mapa com a obra de fato executada nos anos 1880.
Ferrovia e Caminho Do Itupava
Adiante da
Casa Do Ipiranga, o trajeto atual acompanha quase exatamente a
'ponta' do rio de mesmo nome, para fazer uma volta lá na frente,
enquanto no mapa essa curva seria cortada bem antes; aproveitando por
ser um sistema que permitiria maior inclinação. Nas imagens do Google
Earth, retrocedendo o mais possível, ainda não se vê no local do
suposto atalho nada além de floresta, como se estivesse intocado.
Porém na imagem aérea de 1980 sim, aparecem claramente sinais de
intervenção.
O traçado
segue sem cruzar em nenhum momento o rio Ipiranga; está
continuamente tão para dentro da margem direita que chega a
transpassar a 'Estrada' do Itupava. O que viria a ser construído
foi, no entanto, um caminho que cruza duas vezes esse rio.
Vê-se no mapa
mais 3 nomes de cursos d'água que até então imaginaria sem
batismo; num dos quais inclusive existe cachoeira. São estes nomes:
"Farinha Seca", "Itororó", e outro de leitura
mais duvidosa, que parece algo como "Guariacoco"(?)
A longa curva
no local que diz "Monte Christo" não existe, foi abreviada
por um túnel.
Ribeirão Do
Cadeado e Córrego da Barreira são duas outras denominações que
desconhecia, as quais correspondem respectivamente aos lados esquerdo
e direito da descida mais forte do Caminho Do Itupava.
Provavelmente
o "Rio Sabiacaba" é o que hoje chamamos Taquaral. E o
"Água Do Passo" pode ser algum outro afluente vindo do
Marumbi.
O mais curioso
é que esse projeto fazia a ferrovia seguir para o meio do Porto De
Cima, via Prainhas, com muito menos curvas do que hoje. Por ende, ela
perderia altitude de forma bem menos gradativa.
Seria esse
projeto autêntico? Qual sua data real? Quem foi seu autor?
"Duas
rochas gigantes, uma mais esférica e outra achatada, que seguram
entre si uma terceira, tanto menor, junto à qual jorra forte a água
de um rio sobre um poço de leve tom esverdeado. Arenoso, mas ainda
atrativo. E atrás da torrente, um espaço sombreado como uma gruta,
habitada ao menos por uma ave." Assim se esboça a primeira das
cachoeiras de um rio difícil de descrever, localizado em Paranaguá,
entre o Bairro Morro Inglês e a Colônia Santa Cruz. Esta, por sua
vez, foi a que lhe cedeu o nome.
Três são os
cursos d'água que, descendo da Serra Da Prata, unem-se para
forma-lo, sem que possamos asseverar qual deles é o principal, e
quais são os afluentes. Um morador mencionara outros nomes, mas como
não temos certeza de que se refere e estes, seguimos chamando apenas
como "Rio Santa Cruz Da Direita", ou Do Meio, ou Da
Esquerda, como fazem as demais pessoas que lá conhecêramos.
No rio da
direita existem duas cachoeiras – a mais de baixo que é o Poço
Das Andorinhas; uma outra mais acima, e ainda uma cascata menor, mais
adiante. No do meio também existe uma queda pequena; e no rio da
esquerda visitamos uma cachoeira cujo acesso mais fácil é pelo sul,
pela Colônia. A entrada por onde começou nossa investida é a
oposta, a do Morro Inglês. Temos notícia de mais uma queda d'água,
de médio porte, que ignoramos se pertence ao rio do meio ou o da
esquerda. Tudo ficará mais claro no mapa a seguir.
Semanas antes,
estivemos numa chácara buscando a trilha para certo lugar, cuja
entrada erramos e acabamos perdendo o dia. De volta à base, o
morador disse-nos que o caminho que deveríamos ter tomado cruzava o
Santa Cruz Da Direita bem à altura de uma queda d'água. Pela da
distância que descreveu, não podia ser a mesma que eu vira na
imagem de satélite tempos atrás, mas cachoeira é pra nós igual
dinheiro: não se recusa; então uma hora ou outra voltaríamos ali.
A ideia seria
tentar ambas no mesmo dia; se uma não valesse a pena, a outra sim. O
problema é que pra chegar na de baixo, aparentemente teríamos que
dar a volta e entrar pelo desconhecido acesso de baixo. A ida à
cascatinha de cima foi tranquila, bem como o morador contou; só que
ela era pequena, não uma queda direta, mas em degraus, que talvez
num tempo mais chuvoso até virem torrente única.
Cascatinha de cima do Santa Cruz da direita
De volta à
casa do início, ainda faltava andar até o carro, pois ele não
aguentara subir até ali. Se ao chegarmos na colônia, os moradores
não nos permitissem passar, nosso proveito do dia teria sido muito
pouco. Mas tínhamos uma carta na manga, um elemento novo que nos
facilitou o planejamento, e que mais vezes será citado aqui no blog,
pela grande utilidade.
Em 1980 o
governo do Paraná contratou um levantamento fotográfico aéreo do
estado inteiro, que embora fosse em preto e branco, tinha boa
precisão, com a mesma escala de cartas topográficas, tendo
inclusive embasado a elaboração ou atualização das existentes na
época. O governo de Santa Catarina, por exemplo, encomendou esse
tipo de serviço mais recentemente, e suas imagens são simplesmente
as mais nítidas que já vi com esse fim.
Usar as fotos
antigas do Google Earth é coisa bem comum em planejamento de
exploratórias, não só porque há mais possibilidade de descobrir
locais agora encobertos nas fotos atuais, como ainda para ver
estradas que já não existem, e que viraram trilha. Pena que,
retrocedendo nas fotos da Serra Do Mar, o mais distante que se chega
é o ano de 2001. Dispor de informações de 21 anos antes, através
do site do ITCG – onde estão guardados os arquivos de 1980 – é
uma oportunidade de comparar muitas coisas. Entre elas um antigo
caminho, desde as chácaras até a parte do rio que nos interessava,
sem ter que fazer volta de carro. Nessa direção, numa casa adiante
deram-nos informação de que a trilha ainda existia, embora bem mais
fechada, com risco 'aleatório' de estar repleta de carrapatos.
O senhor que
mora nessa outra casa também nos recebeu bem e contou ter descuidado
um único carrapato escondido em sua nuca, cuja picada teve graves
consequências, deixando-o no hospital. O período de incubação
para uma febre maculosa inexistiu em sua narrativa, razão pela qual
supusemos que padeceu de algo diferente. A sorte ajudou a que não
pegássemos nenhum naquele dia; talvez porque na minha ida anterior a
esse bairro, eu já tivesse "coletado" todos.
São 950m de
trilha desde o fim da estrada até o rio, passando rente à soturna
ruína de uma casa onde não imediatamente encontramos a continuidade
do caminho. A cachoeira se localiza à esquerda do ponto em que
chegamos no leito, e concluí que ela também não era a que foi
vista do satélite, pois estávamos mais abaixo. No topo dessa que
chamam Poço Das Andorinhas, não se achava jeito de descer; ficou
bastante difícil porque a lateral esquerda era de pedras muito
altas, e a direita tinha um capinzal que não nos deixaria ver onde
pisar.
Decidi que
voltaríamos à entrada da mesma trilha por onde chegamos, e
tentaríamos descer mais internamente, pela mesma margem. Foi a
decisão correta, só que descemos um tanto a mais e tivemos que
subir por dentro do rio até chegar na base da queda. Era uma
cachoeira diferente das outras; aquela água de cor verde clara, não
comparável ainda ao Rio Araraquara, mas também era interessante.
O som agudo de
uma ave que voava rápido para o fundo da gruta fez-nos entender o
nome do lugar. A andorinha não gostou da nossa presença. Mas antes
dela chegar, já tínhamos andado atrás da torrente e tiramos fotos.
Depois de bastante tempo, quis achar alternativa para não voltar
pelo mesmo trajeto, e sim por qualquer entrada mais curta para aquele
barranco.
Deixei meus
amigos um pouco mais no poço e fui 'batalhar' no mato até achar o
estreito vestígio da única passagem segura. Chamei-os, e subimos.
De fato cortava uma boa distância, e foi melhor descobri-lo na
volta, porque na ida seria o tipo de lugar perigoso para se
investigar de cima pra baixo.
Intuí mais ou
menos como seria uma próxima investida, buscando então a cachoeira
que faltava. Tanto ela, quanto o rio da esquerda e o do meio serão o
tema do artigo seguinte.