terça-feira, 8 de agosto de 2017

Serra Da Bocaina - Segunda Parte


O Cume Do Morro 2

Ao cabo de 15 dias, pela primeira vez tive parceiros otimistas o bastante para não cancelarem uma trilha em face a uma manhã de garoa. Por sorte ela cessou antes de chegarmos, deixando apenas um véu de nuvens que não frustraria o passeio, embora nos furtasse a vista.

3 visto do 2

No mesmo acesso do Morro 3 é possível deixar o carro, pois a estrada encontra logo uma porteira desde a qual já é Fazenda Turbay; (este nome está indicado numa das placas do início). Há umas poucas casas dentro da propriedade, que aparenta mais ser de lazer em vez de produção; e assim como na fazenda anterior, também são tolerados os visitantes. Passa-se pela porteirinha lateral – de pedestres – e segue-se pela estrada, mas não até a última porteira, porque lá já pertence ao reflorestamento Madrigal. "Certa mágoa" guardamos desta empresa.

Colina Leste

Os pinus começam a aumentar na paisagem, apesar de ela ser melhor permeada por mata nativa do que em outros municípios. 990m depois da porteira, toma-se a direita num caminho que já foi estrada, e ali eram descidas as toras. Andando por ele, quase não há equívocos; sendo o mais relevante um córrego sem ponte, onde é melhor molhar as botas do que saltar entre as margens. Anos passaram, e a erosão nalguns trechos da antiga via foi tão violenta que os sulcos hoje existentes superam 2m de profundidade. Já nos 1430m de altitude aparece entrada para a direita; um caminho curvo até a clareira do cume, o qual marca 1456m (contra os 1434m mostrados pelo Google Earth).

3ª Crista (mais alta) atrás de partes da 2ª (na esquerda)

Parte da descrição seguinte deve-se à nossa 2ª visita, porque na 1ª só enxergamos neblina. Os arbustos em torno do topo são altos e de qualquer forma limitariam um pouco a paisagem; a não ser pelo Morro 3, que visto dali parece bem mais gracioso que da base. Para o lado oposto, o que se espia é um esboço do maravilhoso cenário descortinado desde as cristas à frente, nas quais só pisaríamos semanas depois. Alguns morros são assim mesmo, têm melhores mirantes fora do cume do que nele próprio. E se antes o caseiro do 3 disse a nós que o visual do 2 era menos interessante, deve-se provavelmente a que ele só conheça o percurso até a clareira.

A 1ª crista (de onde se tirou essa foto) é a única que "só desce"




Descoberta Das Cristas E A Constatação Do Morro 4

Vestígios de trilha e o fim da estrada eram tudo que sabíamos existir depois da bifurcação para o cume. E não mais que uma borda com vista estratégica para o 1 esperávamos encontrar na nossa 2ª visita, quase “acidental” ao morro 2, (ensaiando talvez um ataque ao objetivo maior). Mas o que vimos ao entrar pela esquerda e descer por uns 300m foram (inicialmente) duas ondulações, oblíquas ao caminho, descampadas no topo e separadas por uma faixa de mata.

Morro 4 visto da base

Daquele ínterim, o Morro Da Bocaina já mostra toda a sua graça, chega a lembrar de longe o Pico Paraná, com os outros topinhos parecendo o Camelos. Quanto mais descíamos pela 1ª crista, melhor era a vista para ele, e mais profunda era a separação entre ela e a 2ª. Ali também fomos, contornando a grande fenda pelo caminho principal, e entrando novamente à direita até chegar em cima. Só então descobrimos que eram 3 e não duas as cristas, pois logo enxergamos a última.

3ª crista e Morro Da Bocaina ao fundo

Tudo lá ainda pertence ao morro 2, e embora fendidos, seus relevos compõem um mesmo bloco. Entretanto de lá atestamos a existência de um outro maciço, mais baixo e de certa forma abrupto, suficientemente separado do 1 e do 2 para ser numerado como “Morro 4”; conforme os 1348m de altitude indicados pelo Google. Outra suspeita nossa aproximou-se da confirmação, quando ouvimos não tão longe o chiado de uma queda d'água entre os precipícios no começo do Rio Passa Vinte.


O abismo é bordejado por indícios de um caminho rumo à crista 3; mas o vale que a antecede tem também alguma profundidade, sendo suave na descida, e simplesmente terrível na subida oposta. Uma das causas é certo musgo avermelhado que enfesta a escarpa, e sugere o tempo todo que o chão despencará conosco junto. Chegar ali serviu para vermos que o caminho completo de travessia da serra não era apenas um mito, já que estávamos pisando nele; mas galgar o Morro 1 sem arriscar tanto o grupo custar-nos-ia um raciocínio melhor.



Os Dilemas Antes Da Conquista

O "dia D" aproximava-se, mas antes disso teríamos que enfrentar transtornos e dificuldades. Toda ou quase toda a base noroeste/norte do Morro Da Bocaina pertence à Madrigal; e justo o ponto ideal do nosso planejamento passava por ela, sendo que a entrada não é autorizada. A face oposta, sudeste, é de floresta densa com penhascos "violentos", os quais já notávamos desde a passagem pela estrada do Passa Vinte, na ida à Cachoeira do Potunã.

1 visto da base

 Tínhamos menos referências visuais dele do que gostaríamos para achar uma solução, e restaram a princípio duas opções, sendo a 1ª delas o seguinte: Insistindo na travessia 2 – 1, tentaríamos chegar mais por baixo à crista dos musgos, mesmo sem vestígios de trilha, e desceríamos uma ladeira forte para depois fustigar o facão na floresta do vale, ressurgindo dela pelo lado oposto. Mas figurar a série de dificuldades que poderíamos encontrar nesse trajeto, e como elas martirizariam o grupo, (além da alta chance de um revés) fizeram-me quase descartar a ideia.

Morro 4

A outra opção seria pelo norte, pela estrada que liga o bairro Ouro Fino de Tunas ao Passa Vinte de Bocaiuva, percorrendo o desconhecido Morro 5, cujo vale em direção ao 1 mostrava-se mais suave. Tudo o que sabíamos dele é que se tratava de uma verdadeira linguiça, por ser comprido, diferente dos demais; lembrando de longe uma chapada. Mas tal acesso trouxe-nos grande frustração, demonstrando ser intransitável (naquele então) para carros comuns, o que nos forçou por duas vezes a abortar o plano e ir aproveitar o dia com outros morros, um dos quais, o Maior Da Serra De Santana.

Morro 2

Se reparariam ou não a estrada, ao ser perguntado, o sec. de obras de Bocaiuva pouco pareceu se importar. Estávamos pois, diante da possibilidade triste de desistir, já que tudo parecia lutar contra. Por um motivo complicado, não podemos dizer exatamente qual escolha fizemos; o que nos leva a suprimir parte da descrição, e relatar direto do ponto onde iniciamos nosso ataque final ao morro, no dia 22 de Julho.

BR-116 ao longo da base dos Capivaris


A Vitória Da Expedição

Ao fim de uma estrada rural nos 1200m de altitude, depois de uma boa caminhada, tínhamos à nossa direita um barranco florestado de onde o cume não era visível, mas já de longe o acompanhávamos. Pinheiros ali existiam, mas não eram a maior parte da floresta, e tanto o solo quanto a vegetação estavam algo ressecados pela estiagem.

Ibitiraquire

Esse trecho não era tão íngreme, e conseguimos abrir sem facão; apenas usei as luvas, e quem veio logo atrás fazia as "correções" com um bastão. Saímos num topinho descampado de onde então conseguimos ver bem todo o caminho faltante até o cume, mas precisaríamos descer um pouco e passar por outra florestinha, essa totalmente nativa, aparentemente mais densa. Para nossa surpresa, a trilha ali existente estava até bem aberta, diferente dos vagos vestígios que vínhamos vendo.


A crista que escolhemos para caminho, e que delineamos no Google Earth para ter como referência na nossa investida era um tanto óbvia; e muito provavelmente quem quer que já tivesse subido aquele morro, seja trilheiro ou morador da região, escolheria passar por ela. Desde a saída das árvores, a picada quase se desvanece; e o que se vê é uma longa subida para a esquerda. Isso porque o trajeto direto seria quase impossível, uma vez que cruzaria outro valezinho íngreme, (com subida final quase ereta). A caminhada vai ficando mais lenta; tudo enrosca, tudo faz tropeçar; o capim grosso aberto com as coxas vai cobrando aos poucos boa parte da reserva de energia. Andávamos nesse ponto olhando para baixo, como para reforçar a concentração na própria resiliência; inclusive no meu caso pelos "repuxos" que sentia no peito em razão do cansaço.

Morro 5

Apenas no vértice da crista é que se consegue passar com conforto para o seguinte patamar. Pouco antes dali o Morro 5 já mostrava seus contornos; é muito mais robusto do que parecia da estrada ou do satélite. A linha divisória entre suas faces sudeste e noroeste é menos retilínea do que imaginamos, e o lado florestado é um verdadeiro paredão. Imagino como deva ser o cenário visto da chácara que tão minúscula nos parecia do alto, a única daquela região, onde antes teríamos pedido para deixar o carro se a estrada não nos tivesse impedido na outra vez. Todo aquele lado, início da bacia do Potunã, considero o mais bonito da paisagem que se tem desde o Morro 1.


Passando este topinho, cujas rochas ao fim da dura subida foram como poltronas para o nosso descanso, há apenas um patamar antes do cume, com pouco desnível. Embora esteja 1,2m abaixo dele, possui um marco geodésico; e entre ambos topos encontra-se uma matinha que é contornada à direita pela trilha. Mais alguns instantes, e enfim pisávamos aquele solo a 1501,5m de altitude, comemorando com alarido o êxito de tantas semanas de expectativa. O ponto culminante de toda a região fora da Serra Do Mar, que momentos antes era apenas um nome numa carta topográfica, bem pouco conhecido no círculo social do nosso esporte, poderia então ser trazido a público nestes detalhes.


Notas Posteriores

1 A parte restante do relato da expedição de 56 encontra-se neste link: http://www.mediafire.com/view/6d8wr8a9eroiser/Segunda%20Parte%20Do%20Relato%20-%201956.jpg#
2 – Encontramos também o relato de Ermelino De Leão, de 1928: http://www.mediafire.com/view/p59qauz2ff74lsi/Relato%20De%20Ermelino%20De%20Le%C3%A3o.jpg#

3 – No último fim de semana de agosto viemos a alcançar também o cume do Morro 4: http://caminhodoarraial.blogspot.com/2017/09/morro-4-da-serra-da-bocaina.html

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4 – E em Setembro finalmente conseguimos visitar o Morro 5: http://caminhodoarraial.blogspot.com/2017/09/morro-5-da-serra-da-bocaina.html

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5 – O Morro 3 também é chamado Morro Da Cruz ou Morro Do Cruzeiro. Infelizmente a serra vem sendo chamada de Cordilheira Secreta ou Serra Do Potunã, bem como o Morro 2 de Morro Da Sempre Viva, e o Morro Da Bocaina de Pico Potunã, não por uma liberalidade de se os batizar, mas pelo uso de termos próprios a fim de evitar concorrência à sua atividade ecoturística; uma vez que estes mesmos nomes não são encontráveis em outras fontes de pesquisa.

6 – Links para os álbuns completos no Google Fotos: Morro Da Bocaina (84 fotos); Morro 2 (81 fotos); Morro 3 (99 fotos) e Cachoeira do Rio Bocaina (28 fotos).

sexta-feira, 28 de julho de 2017

Serra Da Bocaina - Primeira Parte

Uma formação montanhosa homógrafa a certa serra paulista e fluminense, distante 45km de Curitiba – mas quase totalmente desconhecida até então da maioria dos trilheiros do estado – constitui o ponto mais alto de toda a região fora da Serra Do Mar do Paraná. Seu pico maior, o Morro Da Bocaina, supera quaisquer altitudes do 2º e 3º planaltos, e para efeito de comparação, mesmo a Farinha Seca, Canavieiras e Baitaca, na Serra Do Mar, não igualam seus 1501,5m.


Uma mera observação ao subir as encostas do Capivari Mirim, em dia de forte calor, abriu nossos olhos para esse novo horizonte, de uma bela e acidentada silhueta que era alta demais para ser apenas simples colinas perdidas no relevo de Bocaiuva do Sul ou Tunas do Paraná. E embora já nos desviássemos do eixo habitual do montanhismo, a Bocaina foi motivadora das muitas trilhas (ao norte da capital), que divulgamos neste blog; sendo este talvez o artigo mais importante de todos até aqui.


É composta por 5 morros principais, sendo que apenas o maior deles tem nome conhecido pelos moradores do entorno, ou inscrito em mapa; razão pela qual os referimos de ora em diante como números em ordem decrescente de altitude, para fins de descrição, tal como exposto na imagem a seguir. Por vezes o próprio Morro da Bocaina também será mencionado como “1”, comparativamente. Além deles, existem duas elevações menores – leste e sudoeste – as quais tratamos por “colinas”.

Característica comum a outras serras desta região, sua base noroeste é mais alta e relvada, com maior presença humana, enquanto a vertente sudeste é coberta por floresta; com inclinações que em alguns pontos chegam a ser penhascos.

Antes da finalidade de descrever suas trilhas conforme as conhecemos, cabe mostrar uma foto rara – acompanhada pelo relato – do reconhecimento feito na Bocaina em idos anos 50 durante a "1ª Expedição Científica À Serra De Paranapiacaba E Ao Alto Ribeira" pelo grupo do Coronel João De Mello Moraes e Major Sinval Pinheiro, ambos do Serviço Geográfico do Exército.

Empreenderam esta viagem entre janeiro e abril de 56, tendo seu trabalho republicado pela Revista Brasileira de Geografia, edição abril - junho de 57. Naqueles tempos pioneiros, a região também foi sondada pelo historiador Ermelino De Leão e provavelmente pelo geólogo Reinhard Maack. [Cortesia da biblioteca do IBGE em Curitiba.]

No dia 13 de maio desse ano (2017), depois de muito planejar, iniciamos o intento de conhecer os 3 principais morros deste conjunto, e a partir aqui retratamos como foram as investidas.

Morro 3 – Reconhecimentos E Primeiras Impressões

Entrada
Com altitude semelhante ao Tapapuí, o Morro 3 é a porta de entrada da Bocaina, não somente por ser o 1º visto da estrada, mas por ser o único inteiramente acessível de carro (4 x 4) e estar dentro de uma propriedade bastante hospitaleira. Vindo de Curitiba pela BR-476, passados 1,6 km da pousada Valle do Ribeira (Ribeirão Das Pedras), entra-se à direita na estrada Eulisses Milani, (com trajeto em boas condições), e segue-se por aprox. 7,4 Km até a Fazenda Serra Da Bocaina, constante em carta topográfica. Pouco antes da porteira principal no lado oposto da rua, vive o irmão do caseiro, ante cuja casa nos foi permitido deixar o carro durante nossas 4 idas.

Passagem do 3 para o 2

O que então se vê é um morro comprido, cujo cume está um pouco para trás, e de início aparenta ser mais baixo do que é. Para chegar ao caseiro, entra-se por uma porteirinha a 70m da principal, e passa-se junto aos animais, que são mansos (inclusive os bovinos). O local pertence a um empresário do ramo de transportes, e parece ter uma produção relativamente pequena, em face de sua extensão. Ser o caminho por uma estrada pode dar a impressão de que a serra toda é um lugar fácil e confortável, mas não demoraríamos para conhecê-la de verdade. Por coincidência, quando lá chegamos, o caseiro e sua esposa também iam para o cume, e nos deram carona na caçamba de uma Toyota, resultando numa experiência ruim para alguém do nosso grupo, embora aos demais fosse bem divertido.


A paisagem ao redor começa a causar admiração; encontra-se desde o entorno da Estrada da Ribeira, a Serra De Santana, e os morros perto de Tunas. Para o norte e nordeste estava a nossa grande curiosidade de como seriam os morros 2 e 1, (deste só avistamos a silhueta). O 2 é o que se vê mais bonito dali, com aquele aspecto de "gominhos" por entre os recortes nos pequenos vales onde flui a água das chuvas. Dentre os morros "conhecidos", o menos distante dali é o Capivari Mirim, e assim mesmo são mais de 20km em linha reta. Isso não impede de se ter um panorama privilegiado de toda a Serra do Mar, como se desde a 1ª fila de uma plateia observássemos um palco.

Guaricana

A altitude mostrada no GPS supera um pouco os 1430m. Há um muro baixo que circunda alguns metros do cume, e nele uma cruz, sendo que adiante encontra-se trilhas entre os arbustos. Ao final deles, numa relva baixa é possível avistar detalhes de uma crista do Morro 1; e só então foi que começamos a notar como ele é impressionante. O que do Google Earth se afigura como uma sucessão de relevos não tão recortados é na verdade uma sequência de topinhos íngremes com feições bem mais "hostis" do que imaginamos. Contou-nos depois o irmão do caseiro algo que já era de se supor, a existência de uma trilha entre os cumes do 3 e do 2.


Muito bom visual também se tem num topinho, à direita de quem está retornando do cume. Já à esquerda percebe-se a crista longa e relvada que termina no vale ao início da Colina Sudoeste, quase "pedindo" para também ser percorrida. Existe outra estrada, um pouco paralela à principal, que também desce à fazenda, mas voltamos pela que já conhecíamos. Neste dia ainda nos faltava por visitar uma queda d'água 'deliciosa' que observamos na imagem de satélite, e que veio a ser parte importante desse passeio.



Cachoeira Do Rio Bocaina

Descrito em algumas referências como Arroio Águas Amarelas (tal característica não notamos muito), o Rio Bocaina é afluente do Passa Vinte, e tem nascentes tanto nos morros 2, 3 e 4, quanto nas colinas do outro lado da Eulisses Milani. Vem a completar o laurel daquela fazenda com uma das mais bonitas cachoeiras existentes nos entornos da capital. Ao fim da descida, entramos à esquerda numa estrada interna que logo se aproxima do rio, estando quase paralela. Este corre para o sul, e a 1ª das suas quedas encontra-se a 1km de distância da casa do caseiro, enquanto a 2ª está a aprox. 2km.

Queda maior

Há no caminho uma porteira sem cadeado, e a queda menor fica pouco adiante dela, à direita; desde onde se desce por degraus de pedra. Se a intenção for só o banho, ali já será satisfeita. Mais perto da cachoeira principal, o vale onde o rio passa começa a parecer cada vez mais profundo. A estrada termina numa clareira, e bem na sua borda inicia outra escadaria, que é bem mais longa que a anterior. Ouve-se bem o rumor da água desde o 1º degrau; e ela começa a ser visível na metade da descida. Tem uma boa altura; seu poço não é fundo, e seria impossível não entrarmos nela, caso aquele não fosse um dia frio.


 Tínhamos dado o 1º passo na descoberta da Bocaina, e depois desta vez, alternamos as investidas com outros morros descritos no blog, como foram o Lorena, Betara e Baleia. As idas seguintes e seus resultados são descritos na 2ª parte deste artigo.

quarta-feira, 21 de junho de 2017

Cachoeiras Do Rio Itararé

Procurando resolver certa dúvida com a carta topográfica “Pedra Branca Do Araraquara”, tempos atrás me surpreendeu a informação “de mão beijada” sobre a existência de uma cachoeira no Rio Itararé (divisor entre Tijucas Do Sul e Guaratuba), num ponto ao norte da BR-376, cuja margem oposta dá acesso ao Morro dos Perdidos. Não a famosa (ou melhor, as famosas) que ficam dentro da propriedade, e que são o complemento ideal para o passeio no cume, mas outra, nominada “Cachoeira Dos Jesuítas”. Fato raro, pois quando muito encontra-se nesses mapas apenas um tracinho situando a queda, ou às vezes uma desinteressada abreviação “Cach”, como foi o caso da Colle, em Quatro Barras.


Antes de formar a atraente visão que se tem até mesmo da estrada, o rio Itararé desce a floresta da encosta leste do Morro Araçatuba, e passa (provavelmente) por cascatas menores, até atingir as grandes quedas que estão a 'módicos' dez reais de distância do visitante. Menos gente sabe que a beleza não termina ali, e que para baixo da ponte há outra cachoeira, com características distintas, cuja trilha inicia à esquerda da rodovia, a 310m da P.R.F.


O percurso começa atravessando um filete d'água que corre paralelamente à pista, onde a descida é suave, mas o barranquinho oposto é bem íngreme; sendo este o único ponto ruim do primeiro trecho. Pouco antes da chegada, vê-se um outro caminho, para a direita, que leva ao topo da cachoeira; e quem optar por conhecê-lo deve cuidar bastante com o declive. É uma larga queda d'água, que não lembra as da Serra do Mar e litoral, e sim as da região central do estado. O poço é amplo, e de frente para ele as rochas são fendidas de modo que parece proposital, como para o visitante se sentar diante dela com certo conforto.

Viria a saber que mais tarde a Cachoeira 1 foi marcada por alguém no Google como "Cachoeira Alemão-Cwb", e que infelizmente esse nome foi acreditado por muita gente. Provavelmente trata-se de algum usuário que, em vez de se informar com moradores, ou em último caso batizar o lugar com um nome neutro, resolveu dar seu próprio apelido ou nome de usuário dentro do Google; atitude essa que nos parece simplesmente asquerosa.




Abaixo do poço, a água corre por mais uma parte espraiada, aonde se chega pela esquerda, por uma pedra bem no canto, evitando com isso passar entre as do meio. Ao cruzar esse ponto, com maior distância da cachoeira, pode-se tirar ótimas fotos. Também se nota que à jusante, o desnível do rio continua, e muito. Forma-se uma longa cascata, bem aberta, não muito íngreme, mas também bonita. Na margem direita é fácil perceber uma trilha que acompanha o rio e segue paralela a ela, entre um pouco de mata, mas com boa vista desde alguns pontos. A trilha alcança uma parte do rio onde a água perde velocidade; até ali ainda se vê indícios de presença humana. 


Depois já não é inequívoca, e exige em alguns pontos que se ande pelo rio, mas em parte rasa. A recompensa, mais adiante, é um local aberto onde a água se divide e forma cascatas menores, uma das quais mais vertical, ponto esse bem menos frequentado. Chega a ser um local mais agradável que o poço maior. Do barranco direito vem uma certa trilha, que inicia na chácara vizinha, cujo dono foi quem me indicou essas cascatas, às quais eu já pretendia ir porque suspeitava da existência. Desde a BR são aproximadamente 600m de caminhada até elas. Mas qual exatamente é a Cachoeira dos Jesuítas, mostrada no mapa? Só viria a descobrir isso 2 anos depois.



Dentre os muitos ônibus que passam pela localidade, só duas empresas a atendem; uma é a Catarinense, que só serve na ida, porque na volta não para na estrada. Paga-se a passagem inteira até Garuva. A empresa que serve na ida e na volta é a Expresso Maringá, com os ônibus que vão para Guaratuba. Recomenda-se embarcar não na rodoviária de Curitiba, encarecida pela taxa de embarque, e sim na Agência Pinheirão de são José dos Pinhais, onde os primeiros horários de ida são 07:20 e 11:20; e os últimos de volta são 12:15. 14:45, 16:20, 18:45 e 20:15. R$17,80. Há o risco de o ônibus vir lotado e não parar na estrada. Mais que em outros lugares, sem entrar em detalhes, desaconselha-se pegar carona ali. Horários consultados em 06/2017. O telefone da agência é 3384-2647; mas quase nunca atendem.

terça-feira, 6 de outubro de 2015

Guia Eco Verão


Não é de hoje que o litoral paranaense, por ter a sua população multiplicada durante cada veraneio, recebe do governo os recursos e as atenções correspondentes, na forma de operações sazonais voltadas ao turismo, do qual toda a sua economia depende. Num recente passado, em tempos de orelhões cor de laranja e dólar a R$1,16; a então operação Eco Verão (que atualmente perdeu o "Eco") trazia consigo além de policiais e bombeiros, um guia informativo gratuito mais completo e de mais alta qualidade gráfica que os distribuídos nas últimas temporadas. Um compêndio descritivo de várias atrações dos 7 municípios denotava os melhores esforços de quem o elaborara, a fim de que o veranista dispusesse de todos os conhecimentos para desfrutar e gastar nas nossas praias.

Outrora facilmente acessível, a edição de 1998 hoje é quase rara, encontrada somente em alguns sebos - de um dos quais agora trago em duas formas.

Baixar pelo link:

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A qualidade das imagens não é 100%, mas todo o conteúdo está presente. Nessas 117 páginas, uma versão bem ampliada da de 1997, há algo de muito nostálgico especialmente para quem conheceu e curtiu o litoral do Paraná àquela época.


As imagens que o ilustraram foram desenhadas por um artista de talento, que juntava as representações dos locais numa maneira bem parecida com a que faz nossa imaginação ou memória afetiva sobre determinada região; e todos os seus elementos, desde os ícones, pareciam estrategicamente criados para instigar nossa vontade de aproveitar cada ponto turístico.


Uma enormidade de atrativos do litoral, talvez por desconhecimento, estavam ausentes; e algumas descrições continham informações imprecisas; mas por outro lado constavam alguns que, de tão "longínquos", são ainda hoje pouco conhecidos da maioria dos turistas, como o Rio Pasmado e a Serra Gigante. As histórias dos caminhos coloniais, por exemplo, que foram tema inicial desse blog, traziam uma linguagem vagamente semelhante à do livro de Júlio Estrela Moreira, quem por sua vez tivera como fonte maior as "Memórias Cronológicas" do historiador Vieira Dos Santos, (Séc. XIX).


É perceptível que nos guias dos anos seguintes, geralmente mais simples e sucintos, o padrão dos textos é basicamente o mesmo, inclusive nas imprecisões. E talvez ainda hoje muitos litorâneos não lhe façam caso, descartando-o às vezes como folheto de propaganda. Mas quem ainda tiver outros materiais turísticos do litoral, anteriores ao ano 2000, e deseje compartilha-los, é favor entrar em contato com o e-mail gomes681@gmail.com

Passado algum tempo, também tive acesso à versão de 1997; e aqui está para download (.rar):


Não sendo muitas páginas, o arquivo tem pouco menos de 5Mb. E este é o link para leitura online (menor qualidade):


Em 1997, para um olhar curioso, um "mundo" cabia nessa imagem...


quinta-feira, 15 de maio de 2014

Caminho Do Arraial


Um dos principais caminhos coloniais que faziam a ligação entre o litoral do Paraná e o altiplano onde Curitiba se situa, o Arraial foi via importante por onde passou a história do estado, sendo partícipe na sua formação e na sua identidade. Anteriormente com 10,75 léguas, ou 53,7 km, seu calçamento de pedras enveredava a Mata Atlântica no enorme desnível da Serra do Mar, unindo o atual município de São José Dos Pinhais com o Porto Fluvial Do Padre Veiga, em Morretes, por onde circulavam as mercadorias vindas ou destinadas ao trânsito marítimo. Palco por três séculos e meio de aventuras, dores e fortunas, fora em tempos pré-cabralinos possivelmente uma picada por onde a nação indígena Carijó se deslocava, ora à baixada na época de mariscos, ora de volta ao planalto na época do pinhão.


A despeito de tal origem, nunca constituiu um “ramal” do Caminho do Peabiru, como levianamente se divulga; tampouco uma simples “estrada dos Jesuítas”. Degradado hoje por obras estruturais e pelo imerecido esquecimento, representa um valioso patrimônio paranaense relegado ao longo de alguns quilômetros de floresta. Deu também origem a este blog, cuja intenção antes dos relatos de trilha seria tratar sobre história. Depois da tentativa frustrada, em 2013, de encontrar seus trechos preservados (como citado noutro artigo), fizemos novas visitas aos seus arredores, durante as descobertas das cachoeiras 1 e 2 da parte alta do Rio Fortuna; e também as do Rio Da Serra. As mesmas pessoas que nos orientaram sobre esses rios acabaram esclarecendo detalhes do Caminho Do Arraial. Passados alguns anos, este artigo deixa de ser um resumo histórico com um parêntese sobre a descrição atual, e passa a ser um relato da trilha atual, com um longo parêntese sobre sua história.




De tudo o que restou, o Arraial ao sul da BR-277 e o Arraial ao norte dela são dois mundos diferentes. Menções aos possíveis trechos calçados incluem descobertas feitas no tempo dos estudos para criação do Parque Guaricana. Nunca pisamos no lado sul; esperamos fazê-lo um dia, e imaginamos que seja uma paisagem de planalto rural, bucólica e tranquila como os demais interiores de São José Dos Pinhais. Já o lado norte, a descida da serra, é o contrário; um florestão perpetuamente disposto a fazer sumir o calçamento existente. Tendo o oleoduto OLAPA como o "eixo" do passeio, percorremos 2 dos seus prováveis 5 trechos, totalizando 1,79Km que são a parte em que se pode andar sem grande dificuldade.

Acesso

Começo da descida
Iniciamos na 1ª estrada de servidão da Petrobras, pois nossa intenção era andar noutra parte do calçamento desde cima, o que não foi possível por estar a mata muito fechada, e dessa forma acabaríamos gastando todo o tempo disponível numa só parte do trajeto. Descemos pela faixa de servidão até o Rio Da Serra, onde mostrei à minha amiga a cascata mais próxima, e logo seguimos para a entrada do trecho maior do Arraial, único que conhecia desde pouco tempo. A localização de cada coisa, assim como as distâncias e aquilo que presumimos ficarão bem claros no mapa seguinte. Estava bem mais limpo que na vez anterior, mas foi só nos 320 primeiros metros até a torre da linha de transmissão, creio eu, para uso dos funcionários da Copel. É interessante pensar que os séculos passaram, e o caminho continua sendo útil para alguém.


E tão roçado estava, que foi possível ver e ouvir ao longe o Salto Da Fortuna e as outras duas cachoeiras acima dele. Em seguida cruzamos um breve pedaço de floresta que separa ambas linhas de transmissão; e sob a segunda delas encontramos o bananal onde a trilha se torna bastante intrincada, antes de retomar a descida. Esta é a única parte que pode confundir um pouco. Entre a reentrada na floresta e a chegada na trilha do Fortuna, pode-se dizer que é o centro do passeio. Em trilhas antigas percorridas por mulas, mesmo as que não chegaram a ser calçadas, observa-se frequentemente que ao menos uma das laterais é mais alta, como se o caminho tivesse sido abaixado e aplainado. E de quando em quando, passa-se por vestígio de escoamento de água, na lateral oposta. Cuidar tal detalhe é garantia de não sair da rota certa, mesmo havendo várias curvas e trechos onde a folhagem cresceu.



Antigo engenho de mate
O mesmo Rio Da Serra por onde passamos antes curva-se para encontrar o Fortuna, e no final da descida é o seu ruído que predomina, quase abafando o de um filete d'água que existe à direita da trilha. A 75m de distância dela, no lado esquerdo, há uma vala murada que é o que restou de um dos beneficiamentos de erva mate da região. Mal aparece o vestígio até ele; a mata já quase o engoliu. Quando inteiro, o Arraial virava um pouco à direita e seguia até o segmento conservado que hoje se conhece. Mas infelizmente houve um desmoronamento, sabe-se lá em que época, obrigando os passantes a usarem um curto desvio um pouco duvidoso até alcançar a trilha do Fortuna. Nela fomos até o 1º cruzamento de rio, mas só para descansar um pouco pois naquele dia tínhamos receio de cabeça d'água; e até já estava garoando um pouco.


Já na parte preservada, lembro o que senti quando anos atrás pisei aquelas pedras pela 1ª vez; toda a curiosidade e desconfiança de que talvez nunca chegasse a conhecer sua continuação, tanto para cima, quanto para baixo. Esta era a parte que então faltava, e sem saber em que condições a encontraríamos, tínhamos o desafio de percorrê-la inteira, até a saída de volta no oleoduto. Facão ali é cômodo, mas nem de longe é necessário; há bastante espaço para andar, e até mais da metade da distância, a lateral alta na direita é bem reconhecível. Até que aparecem vestígios para a esquerda, em terreno mais lamacento e sem pedras, resultando numa trilha estreita cujo sentido era o que queríamos, de modo que saímos na faixa de servidão.

Parte preservada que coincide com a trilha do Salto Fortuna. Na 4ª imagem, a entrada da continuação, rumo ao oleoduto.

Foi-nos dito que do outro lado dela há um último trecho em pior estado, que seria necessário investigar de baixo para cima, por assim ser menos complicado. Não estava roçado o mato, no que nos restava para andar no oleoduto, mas havia uma picada nele; e em pouco tempo cruzamos o início da trilha normal do Fortuna, para em seguida chegar ao Sítio Vanessa. Lá viríamos a conseguir uma carona. A caminho do centro de Morretes, sabemos da existência de pelo menos uma casa em cujo terreno ainda existem pedras do Arraial. Parece até algo recente, uma calçada comum. Dos remanescentes deste caminho que fez parte da história de tantos homens e mulheres do nosso estado, é justo ali onde corre o menor risco de ser destruído.