quarta-feira, 6 de novembro de 2019

Morro Capivari IV


Num tempo em que o único caminho pavimentado entre Curitiba e São Paulo era a atual BR-476, passando por Tunas; e quando até mesmo a conquista do Pico Paraná estava recente, a Serra Do Capivari foi um cafundó, conhecido mal e mal através de mapas. Foram mais tarde construídas a represa homônima, a rodovia BR-2, que viria a se chamar BR-116 como a conhecemos; e com isso aqueles morros viveriam uma fase de extrativismo, cujas pedras retiradas deixaram marcas visíveis atualmente. Parte da trilha do Mirim, inclusive, já foi uma estrada utilizada nessa atividade. Até poucos anos ainda era uma serra menos falada que hoje, ofuscada pela vizinha maior ao sul; mas que pela facilidade de acesso (inclusive de ônibus), atrairia melhor as atenções do montanhismo, sendo esse um esporte tão subserviente às tendências.


Pela 1ª vez no cume do Mirim, em 2015, pegamos um dia de céu totalmente aberto. Melhor que o mar de floresta dos picos superiores – o Médio e o Grande – o que mais nos encantava era certo morro redondo, de um verde claro quase saído de uma pintura impressionista, contrastando seus campos com a Serra Do Ibitiraquire, imponente ao fundo. Entre pesquisa na internet e conversas que tive, soube que não havia trilha aberta para ele, e se alguém mais pisou seu cume, além dos três grupos de que tive notícia, ninguém mais divulgou. Todos 3 teriam investido desde o Mirim e o Médio; rota esta que me parecia perigosa e difícil de imaginar. Capivari IV era como se chamava aquela rara, e desde então desejada porção de terra e rochas que tão poucos visitaram.


Estudando como alcançá-lo um dia, poderia encarar a pirambeira do lado oposto do Mirim e ir descendo em direção ao vale, para ver o que conseguia, porém nunca levei jeito para o suicídio. Uma ida posterior ao Médio poderia ter dado a pista da rota usada pelos pioneiros, se naquele então eu já tivesse certa experiência. Ouvi de um conhecido o palpite de que a estrada Manrique talvez fosse opção de um trajeto, nos dias em que ele andava buscando a trilha alternativa para o Pico Guaricana. Mas minha decisão baseou-se numa crista que reparei, iniciada quase na própria BR-116, com aclive não tão forte, e que alternava campos teoricamente propícios a um avanço mais rápido.


Somente a base era de floresta pura; a subida não era contínua, e sim ligeiramente recortada; cheia de pedras grandes, além de possíveis taquarais e cipoais em cada pequena descida. Sentia aquilo como algo além de uma ordem inconsequente da própria vontade, ou da curiosidade, mas como um chamado; a primeira trilha exploratória séria, tão logo os morros convencionais me deixaram de cumprir o papel do desconhecido. Pegar um facão, chamar parceiros, sair a combater "moinhos de vento" já era algo irrenunciável.


PRIMEIRA INVESTIDA

Manhã de 04/06/2016, eu, um amigo recente e uma conhecida dele, à qual fui apresentado naquele dia, desembarcamos diante de uma estradinha interna, com portão aberto, onde fomos batendo palmas, torcendo para que autorizassem nossa entrada, pois que de outra forma seria difícil achar acesso paralelo. Quem ali nos recebeu admirou nossa intenção, e nos deixou seguir até o fim da estrada, 600m adiante, onde começaria realmente o esforço. Este ponto era cercado de floresta alta ao redor, com uma casa de madeira do lado esquerdo, onde nem reparamos se vivia alguém. Entramos na mata pelo lado direito, subindo por onde dava, pulando troncos e desviando espinhos, num lugar bem úmido.


Num eventual bote de cobra, creio que teriam sido inúteis as finas perneiras que então usava, presas por um velcro que teimava em soltar nos piores momentos. Levava nas costas uma mochila pequena, estufada, feita para qualquer coisa menos trilha. Uma touca de soldador é o que há de melhor para proteger o cabelo comprido, como era o meu à época. As luvas ainda eram as verdes de jardinagem, e não as de vaqueta como agora. Usava óculos de EPI, com o plástico sem vergonha que toda hora embaçava e causava a vontade de bater facão desprotegido. Hoje recomendo o de tela, que é simplesmente perfeito. As cotoveleiras de elástico mantenho até hoje, pois na ausência de manga comprida (pelo calor) são de grande utilidade.


Andávamos na lateral de um valezinho, com leve vestígio onde alguém já andou; e este trecho ainda foi brando, até que saímos na mata à altura do peito, que antecedia o início da crista coberta por campo. Vegetação seca e fortemente emaranhada, típica dos Capivaris, alternada com taquarais onde cheguei a passar abraçado com o chão, causou-nos um enorme sacrifício. Inexistiam vestígios anteriores; o uso do facão não rendia; cruzávamos trechos em que era como bater na borracha. Meu amigo à certa distância usava meu segundo facão, melhorando a trilha, e quando parávamos os três para tomar água, com o suor escorrendo no rosto, sentíamo-nos um pouco assustados talvez pela falta de costume; e ali respiramos um ar de desolação.


A amiga dele tinha iniciativa, era valente, e em alguns trechos menos penosos consentimos que usasse o facão, embora sem a mesma destreza, com algum risco de escapar da sua mão. Alcançamos a crista de capim baixo, galgando uma pedra com algum embaraço, e desde então a vista revelou-se melhor. Era muito bonito; dentre todos, esse é o morro mais próximo da Represa Do Capivari. Acima não se distinguia muita coisa. Contornar uma pedra cercada de mato fechado seria o último obstáculo do dia. Estava no limite, a energia acabando; mal conseguia fechar a boca. Passado esse penedo alcançamos outro, que seria nosso ponto final, no qual meus parceiros chegaram logo antes e me esperaram subir devagar, num estado lastimoso.


Foram nada menos que 7 horas de ida, 5 das quais, batendo facão quase ininterruptamente. E tal foi a diferença, que nesse mesmo trecho, o nosso retorno custou apenas 40 minutos. Voltar ali para tentar o cume, em uma ou duas semanas, sem o impedimento daquela muralha de mato parecia de bom augúrio; porém novas dificuldades estavam por vir.


SEGUNDA INVESTIDA

Um dia nublado e mais frio foi quando novamente pisamos aquela estrada, sem ainda ter dado tempo de sumirem os arranhões anteriores. Nossa amiga não conseguira vir; estávamos só nós dois. Uma cãibra pela pressa foi um mau sinal, antes mesmo do início da mata. Depois de cumprimentar o morador na entrada, vimos gente na última casa, e se bem recordo, ao passar por eles trocamos apenas um oi. Não calculamos o quanto sua estranheza para conosco mudaria o rumo das coisas.


Fizemos tudo como antes; e aquela mesma subida que nos durara 7h, nesta vez levou apenas 1h30min. Andando além do conhecido, chegamos à primeira descida antes de tornar a subir. Um 'minivale' de quase nenhuma profundidade, mas coberto pelo mais denso cipó, tinha felizmente uma curta passagem, visível só para quem se agache. Parecia o típico rastro de animais, e só exigiu uso de facão na saída para o outro lado, um pouco mais íngreme. Meu amigo quisera fazer outra rota mais por baixo, à esquerda, e ali discordamos antes de passar por onde propus. Ninguém é dono da verdade, mas casualmente a cada vez que se repetiu a mesma renitência, provar-se-iam corretas minhas escolhas.


Por algo que se constata desde o Capivari Mirim e do Médio, coroamos nossa ida com pelo menos um cume. Porque não subíamos uma simples crista, mas sim rumo a um morro secundário, razoavelmente independente, que antecede o IV. Hoje o chamamos de 'Adjacente', e sabemos que é tão ou mais raro quanto o próprio IV, pois quem se aventurasse via Capivari Mirim dificilmente esticaria a caminhada desde o lado oposto para chegar ali. São 66m a menos, ainda assim 1460m são uma ótima altitude; tanto que proporciona uma vista única daquela serra; sobremaneira do trecho que ainda tínhamos por vencer. Dele não se vê um IV tão esférico, e sim uma silhueta mais cônica e desafiadora.


Montanhistas da cidade costumam superestimar a ideia de que "em casa de ferreiro o espeto é de pau". Pensam que os moradores da serra não praticam um montanhismo tão ativo, como se só adentrassem a floresta para caçar, retirar palmito ou cipó para artesanato, e isso não é verdade. Basta conversar com as pessoas para saber que muitos vão atrás desse mesmo lazer que buscamos, sem que o costume do mato os entedie. Em muitos artigos de outros blogs, Brasil afora, não custa esforço perceber que os autores omitiram as pistas encontradas, como querendo presumir de uma falsa virgindade das suas conquistas na natureza.

Adiante do cume do Adjacente ao IV, por exemplo, deparamos vestígios consistentes na mata nebular, distintos ao rastro de animais que vimos no cipoal. Esse tipo de vegetação demora muito a se recuperar; de sorte que é possível andar numa picada aberta há vários anos, pensando ser recente. Alguém passara por ali, mas continuava sendo um cume raro.


Atrás das pedras do topo e da mata sombreada, o trajeto volta a ser em campo; descendo e contornando rochas que vez ou outra pedem um pouco de cuidado; ora no meio da crista, ora margeando-a mais à esquerda. Todo esse maciço, desde o início da crista, tem o lado direito coberto de floresta, sendo a metade oposta quase inteira de campos, arbustos e alguma rocha nua. Era chegado o ponto menos alto entre o Adjacente e o IV; justamente outro valezinho, mais complicado e repleto do pior cipó de todo o percurso. O esforço no facão concentrou-se quase todo nesse momento; e conste que meu amigo outra vez propôs desvio mais para baixo; o que lhe exigiu habilidade para voltar, tão logo se deu por vencido.


O enleio termina entre duas rochas, saindo em novo campo, mas desta vez perto de uma face rochosa que encerraria nosso dia. Até pode ter sido equivocado pensar que o desvio (pela esquerda) dela seria muito perigoso, mas já tínhamos estourado nosso tempo. Tínhamos todo o retorno pra fazer, contando com o último ônibus; além de uma possibilidade de chuva antes de chegar ao ponto.

Em breve avaliação, meu colega voltou do lado da rocha dizendo que era possível atingir o cume ainda naquele dia, e que se eu dizia o contrário era só por medo de que ele chegasse lá e eu não. Supôs que acabariam minhas forças e que eu estava sendo altivo e egoísta. O futuro provaria o tamanho da dificuldade daquele "pedacinho" restante. Se tivéssemos optado por seguir, mesmo numa velocidade de corrida, teríamos retornado no escuro e sob chuva. Mas quem nada sabe... nada teme; e dessa forma ele conserva até hoje seu estulto parecer.


Nosso conhecido, dono da casa de baixo, transparecera certa vontade de participar daquela investida conosco, porquanto jamais havia estado lá em cima. Deu-nos mais tarde a triste notícia de que o proprietário dos fundos não queria mais ver nossa cara; e apenas mandara avisar. Antes ignorávamos quem era dono do que, e não tivemos o tato de consultar as pessoas que vimos na última casa, com a mesma atenção que fizéramos na primeira. Mas segundo soubemos, não eram de muitos amigos, e talvez de qualquer forma vetariam nossa passagem. Trocamos contatos com o conhecido, vislumbrando uma forma de persuadir com mais calma e mais conversa o outro morador; o que futuramente resultou vão.


Não se repetiria a sorte de conseguirmos carona naquele ponto de ônibus; e como o Princesa Dos Campos só pegava passageiros no ponto da passarela, marchamos mais 2km até lá. O escuro chegou meia hora antes da chuva, e ela, meia hora antes do ônibus atrasado. Lá se espera junto à estrada e não sob a cobertura; do contrário ele não para. O saco plástico que levei tinha que proteger somente a mochila; e diferente do colega, eu não tinha roupa impermeável. Foi a pior e mais gelada dentre algumas esperas naquele local; e a consequência veio logo no dia seguinte.


Começar do zero uma nova tentativa, via Mirim, parecia a única chance de chegar no IV; e tal diligência será contada em um parêntese, já que não é conteúdo indispensável para o desenrolar da história.


PENÚLTIMA INVESTIDA

No inverno de 2019, já não trilhavam comigo aqueles dois amigos com quem tudo começou. Ele, por divergências comigo. Conflitos de personalidade que muitas discussões nos geraram, embora nunca tenhamos brigado gravemente. E ela, principalmente por certo trauma noutra exploratória onde corremos grande risco, ainda em 2016. Certo dia subi o morro Ferreiro com um grupo, e no cume cada um tirava fotos e comentava os lugares que identificava na paisagem. Vi um deles apontar pra um lado e dizer a alguém "...lá é o Capivari IV". Senti um aperto, uma tristeza como quem lembra de um amor perdido.

Já em casa, procurei entre muitos contatos telefônicos o morador que nos atendera, mas não só tinha esquecido seu nome, como ainda poderia ter apagado o número por engano. Voltava a olhar a tela, pensava bastante, fazia força pra lembrar, e nada... No 3º dia, de surpresa me veio à mente o nome, e na mesma hora achei o número. Felizmente ele usava WhatsApp.


Além de manter sua vontade de subir o morro, ainda me contou que o dono do terreno dos fundos havia se mudado; e este foi o ensejo para marcarmos a data de uma nova tentativa. Convidei uma amiga, e foi o pai dela quem lá nos levou, em 18/08. A antiga trilha havia virado em nada, ao cabo dos 3 anos, porém nosso conhecido se antecipara, e abrira uma nova picada quase até o começo da crista, em percurso mais pela direita. Guiou-nos essa vez, manejando sua foice cujo rendimento era praticamente o dobro do facão. Apesar do entusiasmo pela nostalgia de estar ali novamente, senti certa fraqueza além do normal, a ponto de tirar as perneiras velhas que me pressionavam o andar, pouco importando que disso resultasse uma roleta russa entre as cobras.


Desde a crista, pouco tive que orienta-lo, porque até o 1º cipoal o caminho era só um. Chegando nele, vi que desaparecera o vestígio de animais, restando pois o sofrido obstáculo que nos custaria caro em tempo e suor. Além de não ter prática com a foice, e também por ser dia quente, minha astenia tornou-me quase inofensivo ao matagal; o que foi vergonhoso, pois quem nos levava teve de fazer quase tudo sozinho. Descansamos no cume do Adjacente e fomos pouco além dele, até a 2ª mata ruim. Já sabia que pelo tempo passado, talvez fosse necessária mais uma investida, essa sim crucial, de tudo ou nada. Daquele ponto partimos, e aprazamos a 'batalha final' pro dia 15/09.



INVESTIDA FINAL

Depois de toda a ajuda que nos deu, já considerávamos não como conhecido, mas como amigo o morador da primeira casa. Quando nos contou que havia caído do caminhão e que não estava bom do joelho, não lamentei pela falta que faria no trabalho restante na mata, mas sim por ser uma pena ele não chegar conosco ao cume do IV. Comigo também estava outra amiga, a mesma que me ajudara na cachoeira 8 do Itararé e na 4 do Fortuna. Por mais que elas me considerem, desconfiei que no fundo temeram eu não ter toda a capacidade para realizar nosso sucesso sem a parceria dele. Não me ofendi de forma alguma. Mas sem perneiras desde o início, levando mais líquido, caldo de cana congelado, gel energético e chocolate; além de uma enorme motivação, sabia que daria conta.


Ambas disciplinadas, atentas, em condição física até melhor que a minha, corresponderam a expectativa de chegarmos num determinado tempo ao Adjacente, e em seguida ao último cipoal. Passava o emaranhado abrindo apenas com as luvas, e não notei que, por não trazer as dela, a parceira atrás de mim deveria ter sido a terceira a subir, em vez de segunda. Diante da face rochosa de 3 anos atrás, encontramos chão para galgar pela esquerda, tombando capim alto nas coxas, cansativamente sob o calor. Avisei-as: Desde aqui é terreno que nunca pisei. No último campo, ora andávamos pouco à esquerda da crista, ora no meio dela. Foi então que, dentro do planejado para administrar energia, pedi a uma delas que por favor tomasse a frente apenas por uns 50 ou 60 metros, o que muito me ajudou.


Retomando a frente, chegamos diante da entrada da floresta final, a que divide ao meio o cume do IV. Se naquele 'capacete verde' houvesse mata nebular, nós avançaríamos; mas se fosse um taquaral terrível com cipós ou penhascos, estaria ali a única chance de um fracasso definitivo. Cruzando poucos metros de emaranhado, a mata ficou espaçada, e senti nosso objetivo cada vez mais perto. Com ou sem vestígio, subia e procurava na direção certa a luz indicando a saída da floresta, até que ela apareceu. Descortinaram-se os outros Capivaris, a represa, um vão de vista para Guaraqueçaba, e o sol.


Havíamos conseguido; foi muito intenso. 4H20min no total; 1526m de altitude. Com zoom vimos pessoas junto à caixa de cume do Mirim, não sei se nos perceberam. Andamos pelo topo, entre rocha e arbustos, sendo que a vista mais bonita se tem à esquerda de quem chega. Só naquelas pedras se observa o sul, o Ibitiraquire; um ângulo pouco diferente de quem olha dos demais. Na direção de onde viemos também se vê robusto o Adjacente e mais duas porções que parecem falsos cumes. De volta à base, demos a notícia do nosso sucesso; eu sem força nem para mostrar as fotos. Entendo que não foram 3 anos de atraso, aconteceu tudo como tinha que ser, na hora certa




quinta-feira, 18 de julho de 2019

Vulcão Santa María E Cataratas De La Igualdad


Ao longo de 82 artigos aqui expostos até hoje sobre vários lugares, manter uma narrativa realmente catalogadora, neutra e isenta foi algo que sempre se pretendeu. Descrever uma trilha segundo a cronologia da nossa própria visita é apenas um jeito de informar ou prevenir quem tenha interesse, para aquilo que de forma idêntica ou parecida encontrará. Excessos acontecem. Se por um lado pecamos em apresentar certas perspectivas pessoais para reforçar o aspecto emocionante de cada atrativo, por outro, tentamos não cair no fosso da banalidade, como relatos de trilha onde se detalha até o que cada um comeu, ou os assuntos triviais discutidos durante o percurso. A despeito da liberdade de quem escreve, seria de pouca utilidade para quem lê. Entretanto, falar pela 1ª vez de algo tão distante do leste do Paraná – foco deste blog – requer um pouco mais de licença à impessoalidade. Será, pois, uma exceção.


Numa noite de abril – primavera no hemisfério norte – ouvia a chuva bater na janela do quarto de hotel onde estava. Com uma previsão do tempo incerta, não seria estranha uma temperatura negativa na manhã seguinte, no cume que pretendia havia anos. Era o centro, a parte principal da viagem, e o clima poderia simplesmente estragar tudo. Parecia arriscado acordar cedo demais e ir esperar um ônibus antes do sol nascer, uma vez que mal conhecia Quetzaltenango; porém hoje até creio que seja mais segura que Curitiba. O chão molhado e um 'céu de chumbo' faziam lembrar alguns insucessos que já tivera. O ônibus para o bairro Llanos Del Pinal sai do Parque El Calvário, na 8ª Calle; passa por uma praça que é como um grande terminal, e percorre boa distância em direção à zona sul, onde está a área montanhosa. A passagem, como na maioria dos transportes da Guatemala, é muito barata.


Quetzaltenango é a 2ª maior cidade do país, tendo uma população do tamanho de Presidente Prudente – SP. O Vulcão Santa María (3772m) é o 4º mais alto da Guatemala, atrás do Tajumulco (4220m), Tacaná (4060m) e Acatenango (3976m). Não são montanhas brancas com neve, ao estilo "sorvetão", e sim uma recortada cordilheira verde que pertence ao círculo de fogo do pacífico, e constitui a porção mais elevada da América Central. Resultado de uma antiga erupção, a parte do Santa María oposta à trilha sofreu um enorme desmoronamento, e anos depois, uma nova cratera surgiu no lado destruído, passando a ser chamada Vulcão Santiaguito. Ele é mais baixo, porém fortemente ativo. O ponto final do ônibus que leva à base fica apenas a uma quadra das últimas casas do bairro – como um "Borda Do Campo" em relação ao Morro Anhangava.


Apesar de não ser tão turístico como os que circundam a capital, o Santa María é bem frequentado por pessoas da região; e foi mais fácil conseguir informações sobre ele com populares do que no escritório de turismo no centro da cidade. A moça que me atendeu dissera não saber como chegar à trilha de forma independente, então lhe prometi descrever posteriormente minha ida, caso desse tudo certo. Em locais assim, de qualquer região do mundo, a tendência é que enrolem o turista pra que contrate passeios pagos; e talvez eu não tivesse dado a ela o benefício da dúvida se não fosse tão bonita.


Na estradinha que precede a trilha do vulcão, tinha pela frente 4km de caminhada, com um desnível de mais de 1200m, o mesmo do Monte Garuva, por exemplo. O trajeto já iniciava nos 2500m de altitude, diferente de algumas montanhas da região onde o ganho é maior. Minha experiência acima dos 3000m, (anos antes em outro país) tinha sido horrível; representando mais um problema que poderia me fazer desistir na metade. Havia alguns dias que tomava vitamina b, recomendada para suportar grandes altitudes, e foi uma decisão muito acertada. É barata e funciona.


Chegando no último campo antes de adentrar a floresta, a continuação é pelo lado direito, e por toda a extensão, a trilha é bem aberta, sem grandes obstáculos. Quando senti as primeiras gotas de uma garoa, lembrei de certa notícia sobre três mortos por hipotermia no Vulcão Acatenango, um tempo atrás. Mas ela não continuou; e outro ânimo tive quando vi mais gente subindo a trilha. A floresta é em maior parte de pinheiros altos, e o solo alterna entre trechos de pedra e de terra úmida. Se chegasse a qualquer outro cume cheio de gente e sem nenhuma vista, por causa das nuvens, sentiria até arrependimento, mas não lá. Concluíra com êxito a subida, depois de tanto tempo de expectativa, estava no topo do Santa María. Somente ali senti uma pequena diferença ao respirar, por causa da altitude.


Era um lugar bem espaçoso, entre pedras grandes; e havia distintos grupos de trilheiros. Um deles fazia orações numa das várias línguas indígenas do país; e embora fossem cristãos, me surpreendeu que a forma do seu louvor remetia às mesmas tradições e idiossincrasias de um tempo remoto, onde adoravam outros deuses. A riqueza e a variedade da cultura guatemalteca não ficam devendo em nada para países muito maiores. Num grupo de americanos, pensando que eu fosse nativo, um deles perguntou-me em espanhol se eu tinha esperança de que as nuvens se abrissem um pouco, para que pudéssemos ver qualquer coisa. Respondi que sim, pois para um dos lados estava clareando bastante. Foi meio profético, porque em poucos minutos aconteceu o que mais esperávamos. Na direção da cidade e também do Vulcão Santo Tomás, o véu branco começou a se abrir e pudemos ver, senão todo o desejado, um bom espaço de paisagens bonitas.


CATARATAS DE LA IGUALDAD

Ter um dia de descanso para cada dia de trilha, numa viagem internacional, é um luxo que nem todos podem se dar. Ter encaixado em tão pouco tempo no roteiro o conhecido Vulcão Pacaya e o Lago Atitlán já havia sido mentalmente cansativo. O próximo passo era ir ao encontro da cachoeira mais alta da América Central (embora haja controvérsia com o Salto Chilascó). Como ao lado dela às vezes se formam outros fluxos, e também existe outra queda mais abaixo, o local é chamado no plural, de Cataratas De La Igualtad. No cansaço do dia anterior, não pude sair tão cedo, e fiz uma má economia indo a pé ao ponto de ônibus para San Marcos, quando na verdade um táxi teria sido providencial. Transporte por aplicativo, até aquele momento, só existia na Cidade Da Guatemala.


Os ônibus lá são um capítulo à parte. Modelos escolares americanos, com muitos anos de uso, que em algumas linhas (não todas) são conduzidos na velocidade máxima, com estrondosas buzinas de caminhão, fazem manobras bruscas para pegarem passageiros vistos 'em cima da hora', e levam gratuitamente muitos vendedores ambulantes. Estes por sua vez anunciam toda sorte de produtos até a exaustão da voz, pois não competem só com o som ambiente, mas também com a música nacional ou mexicana em alto volume, e com os cobradores que arriscam a vida gritando o itinerário com a porta aberta, e saltando do ônibus em movimento para auxiliarem os passageiros.


Apesar de tudo, o que vi foi um tipo de caos organizado, onde a dificuldade do dia a dia só é exequível através do respeito que procuram ter uns com os outros; e de uma noção de direitos e deveres que tanto faz falta no Brasil. Assentos feitos para comportarem 3 crianças comportam frequentemente 3 adultos, e o limite do espaço físico de cada um dá lugar a uma aceitação natural ao toque da pele. Senta-se uma jovem bonita ao lado de um homem, e não tem pudor ao pressiona-lo pelo balanço do ônibus, de tal modo que em nosso país, o contrário seria suspeito como assédio. Porque assim é o cotidiano. Vi pessoas que se ajudam, que não hesitam em informar quem precisa, e que colaboraram em tornar minha visita a melhor que já fizera a um país estrangeiro.


San Marcos é uma cidade bem menor que Quetzaltenango; se não me engano, o percurso demorou uma hora, e lá na rodoviária peguei outro ônibus para a localidade de San Pablo, onde tomaria uma van para seguir até perto da entrada do parque onde fica a cachoeira. Como a demanda por transporte público é maciça, a oferta também é; por isso se espera muito pouco por cada condução; diferente daqui onde cada vez mais pessoas têm carro, e a demanda por ônibus diminui. Um grande problema que tive foi de me locomover com a mochila e a mala, pois não retornaria à cidade anterior naquele dia. Depois da cachoeira, iria para o México, passar um dia na cidade de Tapachula e ver uma certa ruína.


Ao descer em San Pablo, praticamente me 'carregaram' para a van, e puseram minha mala na parte superior, com outros pertences de passageiros. Nunca na vida havia visto aquilo: Gente pendurada no lado direito, outros atrás, e dentro um aperto maior que no ônibus. Pensava em como uma van poderia levar tantas pessoas, e correr aquele risco numa longa subida por estrada de chão. Até serviço de entrega de comida o cobrador fazia, parando numa barraquinha de cachorro quente, e levando mais acima a uma moradora que o tinha encomendado. No ponto final, em meio a um bairro rural a mais de 6000km de casa, me vi num dilema com aquela mala que de forma alguma poderia carregar para a cachoeira, pois se o caminho não umedecesse tudo o que levava, a chuva da tarde poderia fazê-lo. Olhei então a primeira casa que estava aberta, e fiz uma aposta no escuro, de pedir a um homem que me a guardasse por um momento, até o meu retorno. Sua família e os passantes estranharam a situação, logo notaram que eu era estrangeiro, e gentilmente me fizeram aquele favor.


Problema resolvido, andei o trecho restante e paguei um valor barato pela entrada do parque. Um caminho calçado ao lado de um vale profundo leva, primeiramente, a um lugar de águas termais, com entrada paga à parte por quem queira visitar, e em seguida a trilha continua, em subida até a cachoeira maior. É linda, quase indescritível. O rio, que nasce no Vulcão Tajumulco, desce aquele paredão gigante; e naquele momento se avolumava com a chuva, quase formando uma cabeça d'água. O guarda chuva durou só o suficiente para proteger a câmera durante as fotos, e depois se estropiou. Voltei ensopado, mas satisfeito até a casa onde confiavelmente guardaram meus pertences, e segui de van até Malacatán. A segunda chuva, mais forte, encharcou o cobrador de um modo que até deu pena, conforme saía e voltava do veículo ajudando passageiros. Sem comer desde manhã, por questão de tempo, continuei viagem para o México, onde me esperava a pior entrevista migratória da vida, e cujo desenrolar da história estimo que já não seria interessante ao leitor.

quarta-feira, 18 de abril de 2018

Crista Norte Do Capivari Mirim


Descobrir no morro Capivari Mirim a existência de uma trilha alternativa, que confluía com o caminho principal somente 750m antes do cume, foi uma ideia que teve origem em 3 diferentes desconfianças. Tempos atrás havia reparado numa proeminente ponta rochosa, visível desde a BR-116, no ponto de ônibus do bairro Barragem, semelhante a certa extremidade que existe no Capivari Grande. Essas arestas costumam ter boas vistas, e comecei a imaginar como chegar nela por cima. Nas vezes que percorri a trilha principal, tão cheia de poeira e pedriscos, desagradável na descida, reparava ao longe a crista paralela, com a impressão de ter um aclive menos forte. A 3ª (e maior) suspeita foi noutra vez que tentei chegar à Cascata Do Ribeirão Vermelho, por um desvio alto, buscando evitar a passagem pela propriedade particular que lá existe. Utilizamos um vestígio de picada que 'continuava' para cima, além do ponto onde nos interessava descer ao rio.



A linha vermelha é a Crista. Trilha normal (2011)
Num domingo nublado qualquer, decidimos resolver essa curiosidade, partindo não do Ribeirão, mas da base da trilha convencional, onde se deixa o carro. O riachinho paralelo ao início do percurso abastece agora duas caixas d'água mais abaixo, que atendem as casas vizinhas. Nesse estreito trecho de floresta, sempre vimos bifurcações de trilhas que levam à outra parte do povoado, em que se encontra o Ribeirão vermelho. Chegando no início da crista que nos interessava, o caminho era bem mais pisado do que esperávamos, sendo apenas camuflado pelos tufos de mato. As chuvas dos dias anteriores tornaram mais barulhento o vale à nossa esquerda, cujo leito um dia conheci até a nascente. À direita víamos cada vez mais os contornos bonitos da face por onde passa a trilha normal. Inicialmente sem obstáculos, nossa subida era longa e contínua.


Perto do bico rochoso que me chamara a atenção, quase todas as pedras grandes eram desviadas pela esquerda; não havendo em nenhum ponto o risco de queda. As imagens de satélite mais antigas do morro mostram que seu caminho usual foi outrora uma estrada, no começo da subida, e talvez por isso consolidou-se como via única para os trilheiros, porque do contrário a Crista Norte é que o seria, graças a suavidade do desnível. O tempo naquele dia nos traiu, e justo no lugar mais interessante, as nuvens cobriram tudo. A trilha passa para trás das rochas, e inflete à direita buscando encontrar-se com a outra. Por bobeira começamos a subida seguinte por uma linha reta, quando o correto seria acompanhar os vestígios para contornar o "bojo", mas isso não nos roubou muito tempo.


O encontro dos caminhos é aproximadamente nos 1430m de altitude. Sob densa névoa, seria vão continuar até o cume – um dos que mais vezes já visitamos. Dali descemos pela via convencional, e esticamos o passeio até as cachoeiras do Capoeira, que meu amigo ainda não conhecia. Mas ter confirmado aquela nova rota valeu muito; creio até que nas próximas vezes no Mirim vou preferi-la sempre.


terça-feira, 28 de novembro de 2017

Morro Do Rio Comprido - Breve Descrição


Os 2 topos superiores da modesta serra ao sudeste de Rio Branco Do Sul, chamados Campina Dos Rosas e Morro Do Rio Comprido (ou "Pernambuco") podem ser vistos do mirante próximo à Cachoeira Do Roncador, em Colombo; porém não são visíveis entre si. Estando no primeiro deles, a única paisagem que a mata nos impedia foi a direção do outro, o qual erradamente pensávamos ser mais alto, e que no entanto tinha 3m a menos (1235m). Seu entorno é um planalto mais elevado que o do Campina; e sendo menor esse desnível, há também pequena desvantagem na vista.


Ele não é nada agudo, possui uma forma arredondada. Com acesso mais a oeste, pela Rodovia Dos Minérios, não demoramos a chegar na chácara da sua base, onde os moradores foram receptivos e nos indicaram a estradinha interna, que chega quase ao cume. Dela se vê bem a serra de Itaperuçu e outros contornos verdes no oeste.


Adentramos o capinzal à esquerda do caminho para alcançar a cerca que limita a propriedade; o topo está para além dela, num ponto que não localizamos tão rápido, porque todo o terreno ali é abaulado; coberto por pinus. Não fosse por eles, provavelmente o cenário para o lado oposto seria excelente. Há ainda outro morro acima dos 1200m nesse conjunto, porém "padece do mesmo mal". Como passeio, não deixa de ser agradável, mas o ideal é que seja feito como complemento de outras trilhas da região. Aquele dia escolhemos uma cascatinha no Rio Grande Da Laura.


quinta-feira, 23 de novembro de 2017

Cachoeira Do Rio Igreja


Quatro anos atrás, no afã de identificar um mínimo vestígio do traçado completo do Caminho Do Arraial em imagens de satélite, me surpreendeu como era possível distinguir mesmo de tão "longe" cachoeiras com o porte do Salto Da Fortuna, a qual foi minha primeira encontrada. Em retorno do Salto Do Sagrado (ou Das Crianças), também por curiosidade resolvi marcar a localização dele no Google Earth, quando em seguida, ao mover bem mais para dentro o mapa me deparei com um segundo risco branco. Logo vi que tinha achado mais uma cachoeira, com quase nenhuma chance de ter nome ou qualquer menção escrita.


Era um lugar ermo demais, no coração da floresta, pra lá da divisa com Guaratuba; e inicialmente pensei que morreria com a ilusão de conhecê-la. Ocorre que essa "brincadeira" de encontrar quedas d'água abriu um horizonte tão largo, que de certa forma contribuiu até para modificar o teor deste blog – cuja intenção primeira fora apenas tratar a história do Arraial, e hoje busca ser um útil sumário de trilhas raras. Numa carta topográfica do IBGE, constava aquele rio longínquo como um afluente do Igreja – por sua vez, tributário do Canavieiras – entretanto numa versão mais detalhada, refeita pela Mineropar, ficou claro que se tratava do próprio Igreja, o qual nasce ante o enorme paredão de pedra no pico de mesmo nome.


Ainda na atmosfera de ter andado um percurso inteiro dentro de um rio, como pude experimentar no impressionante Salto Canta Galo, surgiu a intuição de fazer o mesmo para chegar na inexplorada. E previ que assim seria, caso alguma vez conseguisse como parceiro alguém com carro e coragem bons o bastante para enfrentar a estradinha escabrosa que lá dava acesso. Outros projetos de trilha apareceram e se impuseram como prioridades, quais foram a Dupla (melhor cachoeira que conheci na vida), e uma outra que não gosto nem de lembrar o nome. Assim o tempo passava, e com a evolução nos conhecimentos aprendidos desde o Morro Da Pedra até a odisséia na Bocaina, vi quão preferível era andar pela floresta do que abraçando rochas rio acima por quilômetros.


Ao localizar uma chácara muito remota nas proximidades, e calculando que encurtaria nossa caminhada, tivemos então a primeira possibilidade real de alcançar o ponto do rio que nos interessava. Que nos desculpe o leitor, por mais essa vez que se rompe a forma impessoal característica das narrativas aqui, mas existe hoje um bom motivo. Esse artigo é especial não só pela raridade da conquista; mas também porque convido pela 1ª vez a minha amiga Wanele Riccetto para expor com suas próprias palavras o desenrolar do dia 14 de outubro; cujo relato a seguir será (alternadamente) diferenciado pela cor verde da escrita.

O dia 14 de Outubro de 2017 fora reservado para aquilo que eu considerava uma investida exploratória. Advindo de um aprazível convite do amigo Jean Di Santi, o qual conheci há cerca de 1 ano nas proximidades do morro Capivari Médio, localizado na carta topográfica Bairro Alto.

A ideia inicial era lotarmos o veículo do Antônio Sérgio, outro colega incumbido na aventura. Todavia, devido as condições climáticas desfavoráveis e demais casos fortuitos, outros colegas não abraçaram a causa e partimos apenas os três em direção a Morretes. No trajeto, trocamos típicas figurinhas de montanhistas, caminhantes ou trilheiros, como se queira definir. O assunto girava em torno de tudo aquilo que os pés podem alcançar e o coração almejar, como montanhas poucos frequentadas e lugares inóspitos no mapa.

O clima de “Indiana Jones” só veio à tona no momento em que pegamos a estradinha de chão em condições não muito transitáveis. Uma maratona contra buracos e pedras que poderiam danificar a parte inferior do veículo. Em dado momento, logo após atravessar o Rio Da Laje, notamos um barulho de peça batendo no chão: era o protetor de cárter da Ecosport do Antônio que havia se desprendido. A missão naquele momento, era utilizar a corda que o Jean carregava consigo, para prender a peça e prosseguir viagem.

Uma breve disputa entre homem e butuca se iniciou, onde um ajudava o outro espantando o bichinho sedento por sangue. Mas, como missão dada é missão cumprida, seguimos nossa aventura até chegar no ponto em que o Jean coletaria informações com moradores locais. Ledo engano, pois não havia uma alma viva nos casebres das redondezas.

A aventura deveria seguir então pelos prévios estudos da região e, também, pelo feeling dos envolvidos na empreitada. E assim, fomos rumo ao ponto de referência no mapa: uma velha casa desabrigada no meio do nada. A caminhada começou animada, porém com notada preocupação do Antônio devido as condições climáticas desfavoráveis. A previsão era de chuva e isso não seria muito convidativo para atravessar novamente o riacho.

Em dado momento, Antônio – o condutor na ocasião, resolveu voltar para não correr o risco de ficar ilhado com o carro. Decidimos, assim, que eu e o Jean continuaríamos na jornada, com o consentimento expresso do Antônio apostando todas suas fichas na nossa capacidade exploratória. E assim fomos, caminhando na maioria das vezes de forma silenciosa por entre a mata que nos observava de forma serena, sussurrando uma brisa em nossos ouvidos e, a cada novo passo, se estreitando em suas saliências.

Um pouco mais de 3km percorridos, chegamos finalmente em nosso ponto referencial. Resolvemos adentrar na casa abandonada e naquele exato momento, consegui sentir toda a vida que um dia habitara aquele lugar perdido no mundo. Uma pequena pausa para hidratação e fotos e, logo, a picada à esquerda nos convidava a seguir viagem num ambiente até então desconhecido dos olhos. O mato espaçado não ajudava muito na orientação, mas o Jean observava atentamente a localização em seu celular.

Ter encontrado abandonada a última casa tirou-nos já a preocupação de não ser permitida nossa entrada por eventuais moradores. O 2º risco era não existir sequer um vestígio de trilha para a cachoeira, apesar da proximidade. Mas logo ao chegar, já vi ao lado da casa, bem no ponto esperado, aquela entradinha “suspeita” que causou-nos alívio. Como é comum, à certa distancia, os indícios tornaram-se vagos demais, quase imaginários. A mata espaçada pode ser algo bom (nisso pensamos diferente) para quem está acostumado a andar fora de trilha; e considerando o pouco desnível do terreno, bastaria traçar uma linha na direção correta e andar, mesmo se apenas uma bússola nos guiasse, em vez do aplicativo.

Trabalhamos juntos para definir o melhor trajeto e evitar riscos desnecessários. Confesso que senti um certo receio, pois era a primeira vez que caminhava ao lado do Jean e não sabia o que nos aguardava. As chances de algo dar errado sempre existe e eu, definitivamente, não gostaria de virar estatística... O Jean comentava comigo de que existem onças naquela região. Eu olhava atentamente para todos os lados, com os ouvidos bem apurados e seguindo todas as instruções que ele me passava, caso avistasse o “bichinho”... Por sorte, somente os carrapatos faziam a festa com os novos visitantes!

Conseguimos navegar de forma satisfatória até ouvir o barulho da queda d'água. Sabíamos que a cachoeira estava próxima de nós, porém, existia uma certa dificuldade para encontrar a descida. Andamos um pouco adiante tentando achar a “reta final”, porém, tivemos que voltar pois não havia vestígios seguros para continuar. Uma pequena onda de negatividade pairou em minha cabeça: aquela sensação de confusão, do tempo correndo, da possibilidade de chuva, de não encontrar o caminho, enfim, a angústia da chegada obscura...

Não obstante todas essas sensações, continuei andando atenta e seguindo os conselhos que uma vez ouvi numa trilha: “Olhe sempre pra baixo, não procure fitas e marcações em árvores, mas sim o caminho”. E foi assim que, em certo momento, chamei o Jean que estava um pouco à minha frente e disse: “Olha Jean, ali parece ter uma entrada”. Ele prontamente voltou e seguimos aquela minha intuição. Os olhos já brilhavam e o coração disparava por avistar uma janela no meio da floresta. Faltava pouco, alguns passos somente, e o objetivo seria alcançado!

Lembrei da frase do Amyr Klink: “É preciso, antes de mais nada, querer”. E é assim mesmo, não existe obstáculo quando almejamos muito algo, nosso coração é nosso guia! Agradeço aos amigos Jean e Antonio, por mais uma página no livro de aventuras da minha vida!

O “enrosco” de fato era aquele final, como sempre, para achar o ponto correto de descida ao rio, que naquele caso poderia ser tanto pelas partes convexas, quanto pelas côncavas da barranca. Tentamos pela primeira, mas era íngreme demais. Quem nunca fez exploratória em rio não sabe a tensão que é tentar enxergar para baixo entre as matas, sem saber se naquele ponto pode-se ou não despencar. Não aceitaria um fracasso; sonhava com aquilo havia tempo suficiente, ademais não estava disposto a decepcionar a Wanele de forma alguma.


Ela mesma identificou o ponto melhor para descer, na parte côncava, como dito em sua narrativa; e isso foi crucial porque nos poupou bastante tempo. Vimos o primeiro “branco” da cachoeira por entre as folhas, e tenho certeza que a felicidade dela foi igual a minha. Sobre base rochosa, era uma queda d'água de médio porte, mas muito bonita, permitindo aproximação sem obstáculos para o banho. Nela só não nos estendemos mais, pelo receio da chuva, e por pensar em quem nos aguardava. Finalmente aquele risco branco perdido no mapa tinha se tornado uma realidade para nós.




quinta-feira, 16 de novembro de 2017

Cachoeira Da Barragem


Distante 4km do centro de Bocaiuva Do Sul, a Usina do Roncador, que foi um dia a única fonte de eletricidade do município, encontra-se há 40 anos inativa e depredada no pouco que resta das suas antigas estruturas. A queda d'água que movimentava as turbinas pertence ao Rio Capivari, em cujo trecho na verdade ainda é chamado Roncador, tendo recebido os afluentes Antinha, Mina e Água Comprida. Na carta topográfica de escala “1:250.000”, consta o local como Rio da Mina até o encontro com o Bacaetava, de Colombo, porém em se tratando de nomes, a tradição oral tende a prevalecer.


Foi-nos mostrada por alguém da UTFPR uma elogiável ideia de revitalização e reaproveitamento do potencial energético da usina, incluindo até um pequeno laboratório para ensino sobre o assunto. O que falta é dinheiro, especialmente para compra das novas turbinas. Sendo escassas até as fontes de informação sobre as muitas histórias que aquele ambiente deve ter, resta ao visitante desfrutar o atrativo da sua cachoeira.

Para quem chega de Curitiba, logo de passar o centro, pode tanto entrar à esquerda na PR-506 (que vai para Rio Branco) e depois entrar na primeira à direita (via em mau estado); quanto pode escolher a saída seguinte da Ribeira - que é um pouco mais longa.

Deixa-se o carro a pouca distância do topo da barragem, sobre a qual se pode andar e ver a pequena parte de queda artificial acima da cascata verdadeira. Pelo lado esquerdo de quem chega, inicia uma trilha curta e lisa, mas não muito arriscada, que chega na frente do poço. Ele é largo, o caminho contorna-o, e parece haver outra trilha vinda das casas próximas.


O jorro d'água ora lembra um “x”, pela forma como se estreita, e também parece um pouco com a Cachoeira Quintilha, de Paranaguá, só que menor. Levando em conta a facilidade e a localização, vimos poucos vestígios ruins, não mais que uma ou duas latinhas jogadas no mato. Não só pelo frio foi que evitamos entrar no poço aquele dia. Há um grande orifício oculto na base da torrente, e dizem os locais que várias pessoas já morrerem nele quando abusam em nadar muito perto; de tal sorte que nem mergulhadores recuperaram os corpos. Pelo menos assim nos contaram.


Nota posterior: Para informações sobre o projeto de revitalização da usina, é favor escrever para: waltersanchez@utfpr.edu.br.

sábado, 4 de novembro de 2017

Cachoeiras Do Rio Massaroca


Quase junto à divisa de Rio Branco do Sul com Bocaiuva, na bacia do Rio Santana, nasce um afluente que corre de leste para oeste entre colinas não tão distantes do Morro Campina Dos Rosas. Ouvimos menção ao que lá existe de mais bonito enquanto conhecíamos a cascatinha de um certo rio próximo; lugar aquele onde todos disseram não haver cachoeira maior, porém tínhamos tanta esperança, que ainda me é difícil resignar. O acesso ao Massaroca passa pela estrada do Bacaetava, desde a qual um desinformado pode nem notar que já saiu de Colombo e entrou noutro município. Ali buscávamos a cachoeira que nos sugeriram, em seguida de ter visitado a do Roncador; e previmos que ambos passeios se complementariam muito bem.


Deixamos o carro e viemos procurando uma entrada de trilha, que estava a 415m do cruzamento com o rio – um bom tanto adiante de onde imaginei. Sendo uma das mais curtas já descritas aqui, esta picada é bem íngreme e lisa, mas não tivemos problema em descer. A cachoeira que encontramos não era muito alta; jorrava sobre um poço largo e não tão profundo, estando bem sombreada no fundo daquele vale. Ela sozinha já teria valido a pena.


Vimos um vestígio de trilha à sua esquerda, e ali já comecei a desconfiar. De volta à estrada, a intuição aumentou, e seguimos mais alguns metros à montante do rio procurando outra trilha que descesse. Logo notamos que o barulho d'água não vinha mais da queda anterior, e sim de um ponto acima. Achamos uma picada ainda mais declive e curta, que nos levou até a cachoeira maior, a qual apelidamos de "1".


Era mais perto chegar no seu topo do que na base, passando por uma pedra não tão confiável onde esticamos a corda (só para garantir) e chegamos no pocinho superior, defronte a outra cascatinha mais baixa. Depois descemos até a base da maior e vimos a ponta de trilha que subia da cachoeira 2, onde primeiro estivemos. A 1 é bem ampla, e o branco da sua água formava um bonito contraste com as rochas bem escuras.

 

O rio vizinho ainda estava nos planos daquele dia, mesmo que a visita  servisse como um "tira-teima" confirmando a inexistência de cachoeira; porém uma valetinha ao lado da estrada de acesso veio a nos causar uma "pequena calamidade", custando o resto da tarde até acharmos ajuda para tirar o carro de lá. No entanto não saímos reclamando, porque a satisfação desse dia foi bem maior que os transtornos.


 
Cachoeira 2 Cachoeira 1